São Paulo, domingo, 18 de junho de 2006

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entrevista

"Império americano é o mal menor"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CAMBRIDGE (EUA)

Professor de Harvard, colunista dos jornais "Los Angeles Times", nos EUA, e "Daily Telegraph", no Reino Unido, o escocês Niall Ferguson é um polemista. Sua insistência para que os EUA se assumam como um império e sua defesa do império britânico como disseminador de instituições benignas provocaram críticas à esquerda e desconforto à direita. Nesta entrevista, ele revê seu livro "Colossus", sobre os EUA, e afirma que a supremacia americana ainda é a melhor alternativa: "Não há nenhuma utopia em oferta". (CA)  

FOLHA - Bill Clinton era um comandante do império melhor do que George W. Bush?
NIALL FERGUSON
- Está claro que o governo Bush causou um tremendo prejuízo à legitimidade do poder americano. Nesses termos, Clinton foi um presidente mais bem-sucedido. Ele foi capaz de usar a força contra [o ditador sérvio Slobodan] Milosevic, apesar de Kosovo fazer parte do território da Sérvia e de o Conselho de Segurança não aprovar a intervenção. Não houve protestos maciços e, apesar de o resultado não ter sido exatamente feliz, não acho que os EUA tenham saído mal desse exercício de poder. Mas em "Colossus" eu não estava preocupado com Bush. Meu argumento é que o império americano tinha mais chances de fracassar por causa de três déficits, o de conta corrente e fiscal, o de tropas e o de atenção. O americano não está interessado no que ocorre fora. Se Al Gore tivesse ganho em 2000, as perspectivas não seriam necessariamente melhores.

FOLHA - Em "Colossus", o sr. diz que a pior perspectiva para o futuro seria a apolaridade. Já há sinais disso?
FERGUSON
- Acho que está acontecendo, no sentido de que os EUA abandonaram algumas partes do mundo, como a África central, e estão recuando de sua capacidade máxima de projetar seu poder. O pesadelo é que estão surgindo novas hegemonias regionais, como o Irã no Oriente Médio ou a China no leste da Ásia. Isso resulta em conflitos imperiais, à medida que o poder americano é desafiado. Há algo que deixei passar em "Colossus", que foi não ter entendido como a queda de Saddam [Hussein] fortaleceria a posição regional do Irã.

FOLHA - O historiador Eric Hobsbawm disse que sua defesa do império é uma defesa da ordem, mas que os impérios sempre tendem a provocar guerras em suas fronteiras. O sr. concorda?
FERGUSON
- É verdade que digo que impérios trazem benefícios. Mas não apenas ordem, é uma simplificação. Se acreditamos que livre comércio, estabilidade, direitos de propriedade, transição para governos representativos e uma burocracia não-corrupta favorecem o crescimento econômico, um império liberal deve ser capaz de promover esses requisitos porque tem essas características ou aspira a tê-las. As evidências históricas apontam que, em primeiro lugar, outros impérios são geralmente piores do que os de língua inglesa, tendem a provocar mais violência, como a União Soviética, o Japão nacionalista e a Alemanha nazista. Além disso, se você tiver múltiplos Estados, no lugar de impérios, eles terão maior tendência a serem instáveis política e militarmente. É verdade que impérios produzem conflito, mas é uma questão de quanto conflito e onde ele ocorre. A "pax britânica" envolveu pequenas guerras na periferia, mas nenhuma grande guerra. Esse me parece o ponto-chave, a opção é entre graus relativos de ordem. Não há nenhuma utopia em oferta. É possível argumentar que o império britânico era a opção institucional menos problemática para o século 19, assim como o império americano foi a opção menos pior para a segunda metade do século 20 e é para o início do século 21. Mas ninguém vai acreditar nisso agora. Só vão acreditar quando virem a alternativa. Quando virmos um império iraniano no Oriente Médio, teremos saudade dos neoconservadores.

FOLHA - O sr. associa o mal menor à cultura anglo-saxã. Isso não é um excesso de etnocentrismo?
FERGUSON
- Eu não atribuo superioridade moral à cultura anglo-saxã. Tento mostrar o quão pouco moral a expansão britânica foi -e vamos chamá-la de britânica e não de anglo-saxã, porque sou escocês e demos a nossa contribuição para isso. De um lado, significou expropriação, violência contra povos nativos, tráfico de escravos. Do outro, no século 19, a combinação de evangelismo e liberalismo produziu um impulso cultural que acabou com a escravidão, introduziu o livre comércio, semeou a transição para governos representativos em várias partes do império. O legado dos impérios português e espanhol foi muito menos benigno.

FOLHA - O Prêmio Nobel Amartya Sen disse que a taxa de alfabetização na Índia era de 11% quando os ingleses saíram e que grandes fomes aconteceram porque os britânicos destruíram, com a imposição de cotas agrícolas, modos tradicionais de lidar com desastres naturais.
FERGUSON
- A verdade sobre o governo britânico na Índia é que era muito pequeno, arrecadava cerca de 11% do PIB com impostos e não tinha os recursos necessários para iniciar programas de educação pública, para combater desastres naturais. Essa é uma crítica legítima. Por outro lado, a Índia saiu-se melhor na época do que a China, um desastre total em termos de construção de ferrovias, telégrafos, comércio. E acho que Amartya Sen não está fazendo a pergunta contrafactual, que é como estaria em 1947 uma Índia sob domínio do império mogol. Porque essa era a alternativa.


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