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entrevista
"Império americano é o mal menor"
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE CAMBRIDGE (EUA)
Professor de Harvard, colunista dos jornais "Los Angeles Times", nos EUA, e
"Daily Telegraph", no Reino
Unido, o escocês Niall Ferguson é um polemista. Sua insistência para que os EUA se
assumam como um império
e sua defesa do império britânico como disseminador
de instituições benignas provocaram críticas à esquerda
e desconforto à direita. Nesta
entrevista, ele revê seu livro
"Colossus", sobre os EUA, e
afirma que a supremacia
americana ainda é a melhor
alternativa: "Não há nenhuma utopia em oferta".
(CA)
FOLHA - Bill Clinton era um comandante do império melhor do
que George W. Bush?
NIALL FERGUSON - Está claro
que o governo Bush causou
um tremendo prejuízo à legitimidade do poder americano. Nesses termos, Clinton
foi um presidente mais bem-sucedido. Ele foi capaz de
usar a força contra [o ditador
sérvio Slobodan] Milosevic,
apesar de Kosovo fazer parte
do território da Sérvia e de o
Conselho de Segurança não
aprovar a intervenção. Não
houve protestos maciços e,
apesar de o resultado não ter
sido exatamente feliz, não
acho que os EUA tenham saído mal desse exercício de poder. Mas em "Colossus" eu
não estava preocupado com
Bush. Meu argumento é que
o império americano tinha
mais chances de fracassar
por causa de três déficits, o
de conta corrente e fiscal, o
de tropas e o de atenção. O
americano não está interessado no que ocorre fora. Se Al
Gore tivesse ganho em 2000,
as perspectivas não seriam
necessariamente melhores.
FOLHA - Em "Colossus", o sr. diz
que a pior perspectiva para o futuro seria a apolaridade. Já há sinais disso?
FERGUSON - Acho que está
acontecendo, no sentido de
que os EUA abandonaram algumas partes do mundo, como a África central, e estão
recuando de sua capacidade
máxima de projetar seu poder. O pesadelo é que estão
surgindo novas hegemonias
regionais, como o Irã no
Oriente Médio ou a China no
leste da Ásia. Isso resulta em
conflitos imperiais, à medida
que o poder americano é desafiado. Há algo que deixei
passar em "Colossus", que
foi não ter entendido como a
queda de Saddam [Hussein]
fortaleceria a posição regional do Irã.
FOLHA - O historiador Eric Hobsbawm disse que sua defesa do
império é uma defesa da ordem,
mas que os impérios sempre tendem a provocar guerras em suas
fronteiras. O sr. concorda?
FERGUSON - É verdade que digo que impérios trazem benefícios. Mas não apenas ordem, é uma simplificação. Se
acreditamos que livre comércio, estabilidade, direitos
de propriedade, transição
para governos representativos e uma burocracia não-corrupta favorecem o crescimento econômico, um império liberal deve ser capaz de
promover esses requisitos
porque tem essas características ou aspira a tê-las. As
evidências históricas apontam que, em primeiro lugar,
outros impérios são geralmente piores do que os de
língua inglesa, tendem a provocar mais violência, como a
União Soviética, o Japão nacionalista e a Alemanha nazista. Além disso, se você tiver múltiplos Estados, no lugar de impérios, eles terão
maior tendência a serem instáveis política e militarmente. É verdade que impérios
produzem conflito, mas é
uma questão de quanto conflito e onde ele ocorre. A "pax
britânica" envolveu pequenas guerras na periferia, mas
nenhuma grande guerra. Esse me parece o ponto-chave,
a opção é entre graus relativos de ordem. Não há nenhuma utopia em oferta.
É possível argumentar que
o império britânico era a opção institucional menos problemática para o século 19,
assim como o império americano foi a opção menos pior
para a segunda metade do século 20 e é para o início do
século 21. Mas ninguém vai
acreditar nisso agora. Só vão
acreditar quando virem a alternativa. Quando virmos
um império iraniano no
Oriente Médio, teremos saudade dos neoconservadores.
FOLHA - O sr. associa o mal menor à cultura anglo-saxã. Isso não
é um excesso de etnocentrismo?
FERGUSON - Eu não atribuo
superioridade moral à cultura anglo-saxã. Tento mostrar
o quão pouco moral a expansão britânica foi -e vamos
chamá-la de britânica e não
de anglo-saxã, porque sou escocês e demos a nossa contribuição para isso. De um lado,
significou expropriação, violência contra povos nativos,
tráfico de escravos. Do outro,
no século 19, a combinação
de evangelismo e liberalismo
produziu um impulso cultural que acabou com a escravidão, introduziu o livre comércio, semeou a transição
para governos representativos em várias partes do império. O legado dos impérios
português e espanhol foi
muito menos benigno.
FOLHA - O Prêmio Nobel Amartya Sen disse que a taxa de alfabetização na Índia era de 11% quando os ingleses saíram e que grandes fomes aconteceram porque
os britânicos destruíram, com a
imposição de cotas agrícolas, modos tradicionais de lidar com desastres naturais.
FERGUSON - A verdade sobre
o governo britânico na Índia
é que era muito pequeno, arrecadava cerca de 11% do PIB
com impostos e não tinha os
recursos necessários para
iniciar programas de educação pública, para combater
desastres naturais. Essa é
uma crítica legítima. Por outro lado, a Índia saiu-se melhor na época do que a China,
um desastre total em termos
de construção de ferrovias,
telégrafos, comércio. E acho
que Amartya Sen não está fazendo a pergunta contrafactual, que é como estaria em
1947 uma Índia sob domínio
do império mogol. Porque
essa era a alternativa.
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