São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

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Sarkozy faz jogo duplo com a Otan

Presidente francês cita "reintegração" à aliança militar, mas diz que a defesa da União Européia é prioritária

Em discurso a militares, Sarkozy evoca o retorno do país ao órgão colegiado da aliança militar, do qual a França se retirou em 1966

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, jogou ontem com todas as ambigüidades que possam existir no relacionamento entre a França e a Otan, a aliança militar ocidental. Declarou que "nada impede" seu país de se reintegrar à estrutura militar daquela organização.
A Otan foi criada em 1949, diante da ameaça de uma invasão soviética na Europa ocidental. A França estava entre os primeiros membros, ao lado dos Estados Unidos, os de maior capacitação militar.
Em 1966, Charles de Gaulle retirou-se da Otan e exigiu o fechamento de sua sede, em Paris. O então presidente francês acreditava que o "atlantismo" em questões de defesa dava cobertura à expansão de outros interesses dos EUA na Europa.
Mas as forças militares francesas permaneceram na Aliança Atlântica, um tipo de compromisso bem mais político que estratégico. Em caso de ameaça comunista, os franceses -com a bomba atômica desde 1960- atuariam ao lado de seus parceiros ocidentais.
Quanto à Otan propriamente dita, em 1996 o presidente Jacques Chirac voltou a indicar um representante à comissão militar, um dos grupos que assessora o Comando Integrado, com sede na Bélgica.

Condições já em vigor
A França, como um dos 26 membros da aliança, opera sob comando americano no Afeganistão. Não é como a Suíça, a Irlanda ou a Áustria, que não integram o bloco militar por questões de neutralidade.
Qual é então a novidade? Sarkozy afirmou ontem a 3.000 militares no ginásio esportivo da Porta de Versalhes, em Paris, que há três condições de reintegração plena à Otan.
Quer que a França mantenha a liberdade de decidir se envia ou não contingentes a um foco externo de conflito. Exige que em tempos de paz os contingentes franceses não se subordinem a oficiais estrangeiros. E preserva a autonomia quanto ao uso do arsenal nuclear.
Essas três condições já são respeitadas, e a novidade consistiria em voltar a fazer parte do Comando Integrado. Mas as razões do presidente francês são provavelmente outras. Ele próprio as indicou.
"Se a França assumir seu papel integral na Otan, a aliança terá mais espaço para a Europa", alusão ao peso relativamente menor que teriam os EUA. Em outro trecho, afirmou que "trabalharmos juntos significa, antes de mais nada, construir a defesa européia, e é essa a minha prioridade".
A União Européia já possui um modesto núcleo de defesa. O Reino Unido não quer ampliá-lo para que ele não entre em conflito com a Otan. Sarkozy é o primeiro presidente da França, em 50 anos, que não trabalha com uma retórica medianamente antiamericana.

Oposição dos EUA
A Associated Press diz que os Estados Unidos, de início desconfiados de um projeto de defesa essencialmente europeu, estão aos poucos baixando a guarda por saberem que o porta-voz da idéia é Sarkozy.
Ainda ontem o veterano comentarista Daniel Vernet, do "Le Monde", disse que a reintegração plena da França à Otan teria o mérito de "anestesiar as desconfianças dos europeus mais atlantistas quanto a uma política européia de defesa".
Em outras palavras, é bem possível que Sarkozy se torne amistoso com a Otan, mas tendo em mira um objetivo geograficamente mais próximo -justamente a política européia de defesa- na qual o peso e a influência da França seriam incomparavelmente maiores.
É bastante hábil. Esperemos para ver o que acontece.


Com agências internacionais


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