São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2008

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Vice de Cristina barra no Senado alta de imposto polêmico

Na primeira grande derrota da presidente argentina, Julio Cobos desempata no Senado contra aumento que causou crise com campo

Em discurso após episódio, mandatária afirma que "nunca traiu o povo"; apesar de decisão, medida só sai de vigor se ela ordenar


Juan Mabromata/France Presse
Partidários do setor agropecuário celebram votação em Buenos Aires com imagem de Cobos

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Com um surpreendente voto de Minerva opositor, o vice-presidente argentino, Julio Cobos, impôs ontem a primeira grande derrota aos Kirchner: a presidente Cristina e seu marido e antecessor, Néstor, viram cair no Senado o projeto de lei que aumentou os impostos sobre as exportações de grãos. "A história me julgará", disse Cobos ao desempatar a votação contra o governo.
A alta das alíquotas detonou uma crise com o setor rural que se arrasta há quatro meses, abalou a popularidade de Cristina e erodiu sua base de apoio.
Diante do empate na votação do projeto entre os senadores, com 36 votos a favor e 36 contra, a decisão final coube ao vice, que, na Argentina, também preside o Senado. Cobos resistiu até o último momento a dar sua posição. Após o resultado, pediu um intervalo no debate, que foi negado. Convocou então outra votação em que o empate se repetiu. E, depois de 18 horas de sessão, às 4h25, ante uma "responsabilidade histórica", votou contra o governo.
"Há quem diga que tenho que acompanhar [Cristina] pela institucionalidade, pelo risco que implica, mas meu coração diz outra coisa. E não acredito que isso seja motivo para pôr em risco a governabilidade e a paz social", declarou Cobos.
Em um evento, à noite, a presidente faria referências indiretas ao vice. "Alguns não entenderam o que prometemos em outubro [quando foi eleita]. Os pobres não são apenas discurso eleitoral." Disse ainda que ela e o povo podiam "nos olhar nos olhos e saber que nunca nos traímos".
Foi a terceira vez que um presidente do Senado desempatou a votação de um projeto. Mas foi a primeira que a decisão foi contra o governo.
A resolução derrubada foi anunciada pelo governo em março e provocou quatro locautes agropecuários, com bloqueios de estradas e desabastecimento. O governo, que antes da crise tinha uma maioria segura nas duas Casas do Congresso, conseguiu a aprovação na Câmara por apenas sete votos. No Senado, a maioria derreteu. Legisladores, prefeitos e governadores que antes apoiavam o governo, preferiram se manter ao lado dos eleitores.

Herói ou traidor?
Enquanto oposição e ruralistas tratavam o vice-presidente como um herói, movimentos kirchneristas como o La Cámpora, em que milita o filho do casal presidencial, pediam a renúncia de Cobos.
O vice, no entanto, afirmou que não pensa em deixar o cargo. "Nem me passou pela cabeça renunciar, pois isso seria trair a vontade popular", disse Cobos, que costuma afirmar que foi eleito como Cristina.
Antes um vice-presidente sem expressão, em meio à crise ele assumiu uma posição "independente" ao convocar prefeitos e governadores para discutir o aumento de impostos e propor que o projeto fosse discutido no Congresso.
A decisão do Senado não acaba com o imposto nem com a crise, já que a resolução só pode ser derrubada pela presidente. Pela Constituição, o projeto também não pode voltar ao Congresso neste ano. Líderes agropecuários e da oposição esperavam ontem que o governo respeitasse a votação, como sugerira antes Néstor Kirchner.


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