São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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RELIGIÃO

Na Polônia, João Paulo 2º consagra novo santuário perto de Cracóvia, cidade onde viveu na 2ª Guerra Mundial

Papa vê humanidade atordoada pelo mal

France Presse
Um polonês em Cracóvia aguarda na janela de sua casa a passagem do papa João Paulo 2ª a caminho da igreja de Lagiewniki


PAULO DANIEL
ENVIADO ESPECIAL A CRACÓVIA

Auxiliado por 12 bispos, o papa João Paulo 2º, 82, consagrou ontem o ultramoderno santuário da Divina Misericórdia, em Lagiewniki (subúrbio de Cracóvia), e escolheu como tema da homilia a misericórdia e o perdão.
Na cidade onde passou 40 anos de sua vida e onde foi obrigado a trabalhar para os nazistas durante a Segunda Guerra (1939-1945), antes de se refugiar no palácio arcebispal (que o hospeda agora) para prosseguir seus estudos clandestinamente, o líder católico disse que "a humanidade está vivendo o atordoamento diante de muitas manifestações do mal".
"Em todos os continentes, do fundo do sofrimento humano, brada um grito por misericórdia", afirmou Karol Josef Wojtyla, na nona e mais breve viagem a sua terra natal.
O papa não citou nenhum lugar específico, mas ele vem demonstrando preocupação especial com a onda de violência entre palestinos e israelenses no Oriente Médio e com as consequências dos atentados de 11 de setembro.
Com as mãos tremendo muito, por vezes segurando o documento que lia e por vezes apoiando a cabeça, e com uma expressão fragilizada, o papa exortou o cerca de 1 bilhão de católicos a "proclamar a misericórdia de Deus, pois não há outra fonte de esperança para a humanidade".
"Onde o ódio e a sede de vingança dominarem, onde a guerra trouxer sofrimento e morte aos inocentes, a graça da misericórdia é necessária para acalmar as mentes e os corações humanos e promover a paz", afirmou.
O papa sofre de mal de Parkinson (desordem do sistema nervoso) e ainda sente as consequências de uma tentativa de assassinato no início da década de 80 que o deixou gravemente ferido.
"Pelas poucas frases que trocamos, o papa parece tão forte intelectualmente quanto sempre, mas obviamente todos os anos e o sofrimento físico prejudicaram sua saúde", afirmou ontem o ex-presidente Lech Walesa (1990-1995).
Durante a celebração da eucaristia, ontem, quase não conseguiu erguer a taça com o vinho (para os católicos, o sangue de Cristo), apesar de um assessor procurar lhe dar firmeza segurando seu braço. Depois, um religioso passou a segurar a taça.
"Mais que nunca, o mundo precisa hoje da misericórdia de Deus", declarou o papa durante a cerimônia religiosa de consagração do santuário em Lagiewniki, construído por iniciativa dele. A nova basílica de concreto, com o formato de um barco partindo as ondas, é dedicada à santa visionária Faustina Kowalska , na região onde morreu de tuberculose em 1938, aos 33 anos.
Em 2000, Kowalska se tornou a primeira santa polonesa. Durante sua vida e após sua morte, a igreja adotou uma atitude de ceticismo em relação às experiências místicas que descrevia.
A Santa Sé chegou a proibir a divulgação do único registro das supostas experiências místicas, seu diário. Logo após ser eleito o papa, João Paulo suspendeu a proibição. Ontem, citou trechos do diário e pediu que a imagem de Cristo no altar fosse a retratada por ela durante as visões, com a frase "Jesu, ufam Tobie" (Jesus, confio em você). Havia ainda um globo com a América do Sul voltada para a frente, em destaque.

Transformações
"A intenção foi mostrar que a misericórdia e a fé devem ser a única resposta possível para o desespero", diz o teólogo polonês Jan Drabina. "No caso da Polônia, o papa tem consciência das dificuldades por que passa o país mais de dez anos após a queda do comunismo." Anteontem, Wojtyla declarou ter consciência de como sua terra natal mudou desde 1979, quando a visitou pela primeira vez como papa.
O papa costumava rezar no local onde celebrou a missa de ontem a caminho de uma fábrica comandada pelos nazistas. A fábrica Solvay hoje abriga um moderno complexo de cinemas.
"Neste mundo de hostilidade e indiferença, o santo padre nos faz compreender a necessidade de entendermos o valor do perdão", disse, na saída da missa, o professor italiano Francesco Chiari, que estava entre os mais de 8.000 participantes fora da basílica. "Só lamento que ele não seja tão clemente com os que discordam de seus ensinamentos morais conservadores."
Hoje o papa reza uma missa campal para a qual se esperam cerca de 2,5 milhões de pessoas. Amanhã, ele vai para Roma, segundo o cronograma oficial.


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