São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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Para teólogo, papa sofre pressão no Vaticano para não renunciar

DO ENVIADO ESPECIAL

Apesar da saúde frágil, o papa João Paulo 2º, 82, não renuncia porque "as pessoas que o cercam no Vaticano não permitem", na opinião de Andrew Napiorkowski, 40, professor de teologia da Papieska Akademia Teologii (Academia Papal de Teologia), ligada à Universidade Jagiellonika, a mais antiga da Polônia (1364).
"Um papa enfraquecido é conveniente para alguns religiosos", diz o teólogo polonês. A seguir, trechos da entrevista. (PDF)

Folha - Segundo assessores próximos, o papa poderia renunciar e se recolher a um mosteiro polonês em vez de voltar ao Vaticano. O sr. acha isso possível?
Andrew Napiorkowski -
Não. É possível que ele deseje isso, mas as pessoas que o cercam no Vaticano não querem que ele faça algo dessa natureza e jamais permitiriam uma decisão dessas. Um papa enfraquecido é conveniente para alguns religiosos.

Folha - Quem exatamente seriam essas pessoas que o impedem?
Napiorkowski -
Algumas autoridades no Vaticano e principalmente os membros de um movimento religioso...

Folha - O sr. disse que um papa fragilizado poderia favorecer a atuação de religiosos. Esses beneficiados seriam membros do movimento católico Opus Dei (fundado em 1928), como o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls?
Napiorkowski -
Prefiro não identificar nenhum grupo. Mas acredito que membros do Vaticano não consigam conceber a idéia de renúncia, apesar da fragilidade aparente.

Folha - Por que eles não permitiriam uma medida dessas?
Napiorkowski -
Porque querem controlar a igreja mais que o papa.

Folha - Na véspera de vir à Polônia, o papa pediu que os católicos orassem para que sua peregrinação fosse bem-sucedida. Depois, saudou de forma especial "os que suportam o peso do sofrimento". Qual o objetivo dele ao expressar sua fragilidade física?
Napiorkowski -
Pedir o apoio dos católicos e mesmo aproveitar a dor para promover a oração e a reflexão. Na Polônia, 2.000 mosteiros e igrejas rezaram durante um mês por esta visita, pelo papa e evidentemente por nós mesmos. Os poloneses acreditam que a peregrinação seja uma oportunidade para que possam enxergar seu interior. Não apenas os padres, que tradicionalmente estão ligados ao santo padre, mas, neste caso, também os leigos, que participaram dos preparativos e estão se engajando mais.

Folha - Os leigos poloneses têm uma atuação bem menor que os do Brasil e da América Latina.
Napiorkowski -
É verdade, por causa de nossa herança comunista. Quando alguém queria fazer alguma coisa em prol da igreja, perdia o emprego. Ou seja, as pessoas se mantinham distantes da linha de frente religiosa, com medo. Agora, 86% dos poloneses dizem que esta visita é muito importante porque, acreditam, trata-se da última viagem dele à Polônia. O papa não é novo e tem problemas de saúde. Os leigos crêem que seja a hora de agir.

Folha - O que mudou na Polônia e na Europa com a eleição do primeiro papa polonês, Karol Wojtyla?
Napiorkowski -
A Europa conheceu uma nova evangelização, apesar da crise de fé. Há 20 anos, quase não se falava, na Europa, sobre a dignidade do ser humano, da vida humana. Nós não tínhamos consciência da relevância evidente disso. Hoje, a situação é diferente. Há também a questão do ecumenismo. Nunca estivemos tão próximos de outras denominações cristãs quanto agora, após 23 anos deste pontificado.

Folha - Qual é a importância desta visita do papa?
Andrew Napiorkowski -
Esta peregrinação é especialmente relevante para os poloneses e para toda a Igreja Católica por causa da idéia central da misericórdia de Deus. Daí a ênfase na irmã Faustina Kowalska, que recebeu uma revelação de Deus sobre a misericórdia e que foi canonizada em 2000 após um longo processo de negação de suas virtudes.

Folha - Por que a ênfase na misericórdia divina?
Napiorkowski -
Como teólogo, eu particularmente esperava havia algum tempo uma ênfase maior na misericórdia de Deus. O mundo precisa de misericórdia, pois tem dificuldade em reconhecer seus pecados. Na atualidade, a idéia de pecado desapareceu. As pessoas não gostam de ouvir que são pecadoras e que necessitam da salvação de Deus.

Folha - Os atentados de 11 de setembro e os vários focos de conflito atuais influenciaram o papa a ressaltar a misericórdia?
Napiorkowski -
Sim, a crença católica não passa só pela confiança na Justiça divina, mas também pela certeza da misericórdia de Deus. Até que se mostre o contrário, nenhum de nós é santo. Somos feitos de carne e osso. E, contra a guerra e o desespero, nada mais adequado que a crença na misericórdia divina para si e para os outros.

Folha - Como Wadowice (cidade natal), Cracóvia (onde Wojtyla viveu 40 anos) e a Polônia em geral influenciaram o papa?
Napiorkowski -
O papa tem suas raízes em Cracóvia, seja como estudante, trabalhador ou padre. Durante a 2ª Guerra, quando Cracóvia estava nas mãos dos nazistas, Karol Wojtyla foi obrigado a trabalhar em uma pedreira. Apesar disso, ele continuou a estudar, e isso, sem dúvida, fortaleceu seu caráter. O local onde havia uma fábrica controlada pelos nazistas deu lugar a um santuário, que o papa agora consagra. Ou seja, a misericórdia de Deus prevaleceu.

Folha - Quais são os principais desafios da igreja agora?
Napiorkowski -
Para a Europa, é necessária uma nova evangelização, e nossa esperança são os jovens. Em relação ao mundo como um todo, a igreja precisa fazer mais pelos pobres, pelos desempregados. Nós podemos usar mais a globalização para transferir as mercadorias de países ricos onde vivem católicos para país menos favorecidos.


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