São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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Papa tem história familiar trágica

DO ENVIADO ESPECIAL

O álbum de fotos original na casa onde o papa viveu entre 1951 e 1964, em Cracóvia, não deixa dúvidas: Karol Josef Wojtyla conheceu a experiência trágica da morte de familiares bem cedo -e muitas vezes. Nascido em Wadowice (sul da Polônia), em 1920, sua mãe, sua irmã e seu irmão morreram antes de ele completar 13 anos. E, aos 20 anos, perdeu o pai. A cada página do álbum que ele próprio montou, o líder católico conhece mais a solidão.
As fotos do irmão, por quem tinha uma afeição especial, e, em seguida, a do funeral vêm acompanhadas do discurso feito por ocasião daquela perda: "Querido Edmundinho, ainda que não tenha lutado em batalhas pela pátria, você morreu lutando contra as doenças". Médico, seu irmão Edmund morreu aos 26 anos de uma doença contagiosa que contraiu de um paciente.
Na casa da rua Kanonicza, a escrivaninha usada pelo papa quando era professor universitário, a máquina de escrever com a qual redigiu boa parte de seus ensaios, o guarda-roupa e uma espécie de divã que usava como cama permanecem no mesmo lugar. No quarto, dois pares de esqui representam fases distintas na saúde do papa: um deles, o primeiro que usou, quando ainda era jovem e esportista aficionado. O segundo par foi o último a utilizar antes de ser obrigado a abandonar qualquer prática esportiva.
Documentos como "O Amor e a Responsabilidade", seu primeiro ensaio sobe o amor, que traça uma análise da sexualidade humana sob a perspectiva teológica, e um atestado de óbito do irmão também se encontram no local, que abriga atualmente o Museu da Arquidiocese.
Perto dali, o Instituto João Paulo 2º estuda sua vida e sua obra. À disposição dos pesquisadores, há mais de 4.000 livros sobre o líder católico em diversas línguas.
Autor de "A dor tem mil rostos: João Paulo 2º e os doentes", o psiquiatra Zdzislaw Jan Ryn, professor da universidade Jagiellonika, visitava o local na última sexta. Ryn disse que "o sofrimento vivido pelo papa logo nos primeiros anos de sua vida ajudou a moldar seu caráter religioso e místico".
Na adolescência, além da religião, Wojtyla (pronuncia-se voitiua) tinha uma predileção especial pela poesia e pelo teatro.
Danuta Michalowska, que foi colega universitária do papa e, segundo Ryn, foi "o primeiro amor de Wojtyla", diz que "seu envolvimento com a dramaturgia era impressionante, e não faltou quem tentasse persuadi-lo a não trocar a carreira artística pela vida religiosa". Michalowska, hoje professora na Academia de Teatro de Cracóvia, recorda que certa vez colocou um cartão na carteira de Wojtyla que dizia: "aprendiz de santo".
Os amigos o chamavam de Lolek, que significa algo como Karolzinho. Um deles, Jerzy Kluger (Jurek), Lolek conheceu no campo de futebol da escola de Wadowice e com ele teve uma amizade que já dura mais de 60 anos. O papa costumava atuar como goleiro no time dos alunos judeus.
No livro "O Papa Oculto: a História de uma Amizade e suas Repercussões nas relações entre Católicos e Judeus", o escritor Darcy O'Brien relata como a amizade entre Wojtyla e Jerzy Kluger, que define o papa como "um homem justo", ajudou a moldar o respeito que o papa demonstra pelo judaísmo e por outras religiões.
O'Brien afirma que, sem jamais renunciar a sua identidade, o papa "incorporou uma abertura [a outras religiões] que ninguém imaginava possível".
O diálogo entre a Igreja católica e as religiões não-cristãs formam um dos principais legados do pontificado de João Paulo 2º, 82.
"Uniam-nos paixões iguais e juntos projetávamos o nosso futuro sob a orientação de nossos eminentes professores que nos educavam na tolerância recíproca... Tenho no coração e rezo por todos os nossos amigos mortos [na Segunda Guerra]", escreveu o papa ao engenheiro Kluger poucos anos atrás.

Cracóvia
Foi em Cracóvia, a antiga capital real, onde o papa estudou filosofia e onde se encontrava quando as bombas alemãs atingiram a cidade, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na cidade, também preparou-se para o sacerdócio (clandestinamente) sob a ocupação nazista e começou a se opor ao regime comunista. Menos de oito meses após ser eleito papa, em 1978, Wojtyla retornou à Polônia e se tornou uma fonte de embaraços para o governo. Oficialmente, o país era ateu, e havia uma crise de falta de alimentos. "Todos queriam prestar-lhe uma homenagem e manifestar sua fé no catolicismo", recorda o empresário Zbyszek Podolecki, 58. "Vislumbrar a possibilidade de um futuro de liberdade nos movia em direção a seus ensinamentos."
Após 20 anos como papa, em 1998, Wojtyla já tinha visitado mais de cem países e levado mensagens críticas a muitos deles. Outros não pode visitar sobretudo por divergências religiosas. O patriarcado russo, por exemplo, acusa-o de proselitismo.

Filme
Enquanto o papa faz sua peregrinação à Polônia, o Vaticano anunciou que deu as bênçãos a um filme que retratará a vida dele, desde sua infância até a eleição para papa como o primeiro polonês a liderar a igreja e o primeiro não-italiano em mais de 450 anos. As filmagens devem começar em setembro de 2003. (PDF)


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