São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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EUA

Estudo diz que indústrias farmacêuticas pagam para que atores de Hollywood elogiem seus produtos quando dão entrevistas

Astros ganham para falar bem de remédios

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

A indústria farmacêutica tem mais pontos em comum com a indústria do tabaco do que gostaria de admitir. Um estudo divulgado na semana passada afirma que grandes laboratórios pagaram a atores de Hollywood para que eles falassem positivamente de remédios em entrevistas.
A prática já havia sido amplamente utilizada pelos fabricantes de cigarro entre 1978 e 1988, conforme revelou em março último a revista "Tobacco Control", vinculada à British Medical Association, baseada em 1.500 documentos reservados que foram tornados públicos em 1998 depois do acordo do setor com o Departamento da Saúde dos EUA.
Mas ninguém havia admitido até agora que o setor de remédios também a usava. A descoberta veio depois que alguns jornalistas especializados em entretenimento estranharam uma rara entrevista dada pela atriz veterana Lauren Bacall, em março, ao programa matinal "Today", da emissora de TV aberta NBC.
Na conversa, a ex-mulher de Humphrey Bogart (1889-1957), de 77 anos, revelou que sofria de uma rara doença degenerativa nos olhos. Depois de dizer que quase havia ficado cega, elogiou os efeitos de um remédio chamado Visudyne, indicado para o tratamento da degeneração macular relacionada à idade -mácula é uma mancha na retina.
Nem ela nem a emissora avisaram os telespectadores que a atriz estava sendo paga.
Com a curiosidade da repórter Melody Petersen, do "New York Times", um porta-voz do Novartis, que fabrica o remédio, acabou confirmando o merchandising velado. "Sim, nós a compensamos por seu tempo", disse Yvonne Johnson, médica da divisão oftalmológica do laboratório suíço, que não quis revelar o valor pago. A admissão abriu caminho para que, nos últimos dias, diversas outras empresas viessem a público admitir a prática.
Assim, soube-se que, pelo menos de 12 meses para cá, atores como Rob Lowe, até o mês passado na série televisiva "The West Wing", Kathleen Turner, atualmente em cartaz na Broadway com a versão teatral do filme "A Primeira Noite de Um Homem", e Danny Glover, da cinessérie "Máquina Mortífera", entre outros, também concordaram em elogiar remédios por dinheiro.
No caso de Kathleen Turner, em entrevista para divulgar sua peça, ela disse há algumas semanas à âncora Diane Sawyer, da emissora ABC, que as novas drogas para artrite reumatóide eram "extraordinariamente eficazes" e que não apresentavam efeitos colaterais -ela realmente sofre da doença atualmente.
No final, chegou a recomendar um site sobre o assunto, mantido por uma associação de laboratórios. A atriz esqueceu-se de dizer, no entanto, que é contratada tanto pela Wyeth quanto pela Amgen, do site, justamente para discutir em público as vantagens dos remédios que ambas fabricam.
Ninguém revela em torno de quanto gira o cachê desta prática novíssima, mas sabe-se que o mercado de publicidade farmacêutica gira US$ 2,7 bilhões por ano só nos Estados Unidos.
O ponto que vem causando mais polêmica é que em nenhum momento o telespectador é informado de que os profissionais em questão estão recebendo para fazer a propaganda indireta do medicamento. A se acreditar nas redações dos programas em questão, nem mesmo os jornalistas envolvidos sabem do acordo.
Em algumas ocasiões, geralmente em programas de ficção, os produtos são citados apenas porque os roteiristas gostam genuinamente dos remédios. Foi o caso, garantem seus produtores, de um episódio da série policial "Law and Order" que teve como tema o anticancerígeno Gleevec, fabricado pela mesma Novartis.
Acontece que este não é o momento mais ético para um setor frequentemente acusado de colocar os interesses financeiros acima dos de seus clientes. Na terça, o jornal da Associação Médica dos EUA revelou que a indústria farmacêutica sofreu pressão dos fabricantes de cigarro nos anos 80 e 90 para não comercializar produtos que auxiliam pessoas a se livrar do vício da nicotina.
Algumas empresas cederam e de fato deixaram de fabricar produtos como adesivos para serem colados na pele e chicletes que ajudam o fumante a largar o vício. Assim como a já citada revelação da ligação entre Hollywood e a indústria do tabaco, a descoberta é baseada nos documentos que viraram públicos em 1998.


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