São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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REINO UNIDO

Experimento de seis meses em Brixton (zona sul) ganha elogios da polícia; moradores criticam afluência de viciados

Teste de liberação da maconha divide bairro de Londres

SARAH LYALL
DO "THE NEW YORK TIMES"

No decadente conjunto habitacional de Stockwell, em Londres, os usuários de maconha estavam reclamando dos usuários de heroína. "Logo ali em frente, vi um sujeito injetando uma garota no pescoço", disse James Haind, sua indignação envolta numa nuvem de fumaça de cheiro doce.
Quando falei com ele, dias antes, no parque de skate do conjunto habitacional, James estava com seus amigos, cada um com seu skate e seu baseado, e ofereceu seu próprio exemplo como prova viva de que a maconha não conduz obrigatoriamente à dependência de drogas mais pesadas. "Uma pessoa sensata e estável não procura a heroína", afirmou Haind, pintor de placas desempregado que estima já ter a metade da vida chapado. "Quem faz isso são as pessoas mais burras."
É exatamente essa a mensagem que o governo britânico parece ter enviado a Brixton, na zona sul de Londres, onde acaba de chegar ao fim uma experiência de seis meses com o afrouxamento das leis nacionais contra as drogas.
O programa agradou aos fumantes de maconha de Brixton e até mesmo à polícia. Mas deixou em muitos moradores a sensação de que seu bairro virou uma feira livre de drogas, com adolescentes fumando abertamente nas ruas e vendedores montando barracas ao lado das barracas de frutas na feira local, atraindo os pedestres com gritos de "skunk, skunk".
"As pessoas começaram a fumar abertamente, antes o faziam em locais mais ou menos escondidos", diz o reverendo Chris Andre-Watson, pastor da igreja batista de Brixton, que lidera um programa de incentivo ao estudo para rapazes adolescentes e diz que a liberação da droga deixou muitos jovens "como zumbis".

Afrouxando as penas
Em parte como resultado da experiência conduzida em Brixton, o governo recentemente anunciou planos de reduzir as penalidades criminais impostas a quem fuma maconha, num país onde estimados 5 milhões de pessoas são usuárias habituais da droga.
Embora o plano represente o reconhecimento de que drogas como heroína e cocaína são muito mais prejudiciais do que a maconha, as opiniões divididas aqui em Brixton levantam questões relativas ao afrouxamento das leis referentes à maconha.
Dentro do prazo da experiência, pessoas flagradas fumando maconha em Lambeth Borough, área que abrange Brixton, recebiam apenas um aviso, em lugar de serem detidas. Com isso, a polícia passou a ficar livre para perseguir criminosos mais sérios. A polícia afirma que a política levou a uma queda global na criminalidade e lhe poupou muito tempo.
Haind e seus colegas fumantes adoraram a novidade. "Para mim e para meus amigos, a notícia é ótima: não precisamos temer sermos incomodados quando quisermos fumar", disse David Reading, 21, candidato a produtor de discos que acaba de concluir o ensino de segundo grau.
Outros moradores, porém, se revoltam ao ver como a maconha passou a ser consumida e vendida abertamente. Ros Griffiths, diretora do Employment Café, um centro de procura de empregos e café conectado à internet, disse não ter certeza sobre o que a ofendeu mais: quando um vendedor de maconha pegou um alto-falante numa feira livre semanal da região e gritou "venham comprar sua erva aqui!", ou quando um adolescente entrou por sua porta e lhe pediu conselhos sobre como montar um café que vende maconha. "Quando terminei de falar com ele, o garoto já tinha desistido da idéia", ela recorda, sombria.
Griffiths disse que não gosta de como a droga transformou Brixton, região que há anos centraliza a população negra de Londres e hoje é uma comunidade multirracial cada vez mais dinâmica, mas que virou ímã para usuários de drogas. "De repente as pessoas começaram a pensar "legal, vamos a Brixton para queimar um fuminho!" ", explicou.
O reverendo Andre-Watson contou que estava esperando um ônibus no ponto, há poucos dias, quando dois adolescentes acenderam um baseado na frente de uma senhora de idade. "Vocês sabiam que isso ainda é ilegal?", perguntou o pastor. "E eles responderam: "Todo mundo está fumando e ninguém está fazendo nada"." Ele e outros moradores da área reclamaram tanto do aumento da venda de drogas nas ruas que, depois de diversos artigos de teor negativo nos jornais, a polícia finalmente enviou homens para limpar as ruas.
Mas ninguém sabe quanto tempo vai durar a presença policial reforçada. A previsão dos habitantes de Brixton é que, quando Londres toda afrouxar sua política referente à maconha, por causa da nova lei, os vendedores de drogas ao ar livre vão voltar a atuar na estação de metrô e nas ruas que cercam Coldharbor Lane, epicentro de tumultos raciais em 1981.

Venda indiscriminada
Até a semana passada, ainda havia dezenas de oportunidades para comprar maconha numa rua de Brixton repleta de lojas e famílias. Poucas pessoas no local se iludem, imaginando que a maconha seja o único produto oferecido. "Não há algumas pessoas vendendo maconha, de um lado da rua, e outras oferecendo crack e cocaína, do outro lado", disse Griffiths. "É tudo na mesma pessoa."
Para tentar resolver esse problema, a nova lei das drogas, cuja aprovação pelo Parlamento de maioria trabalhista é certa na próxima sessão legislativa, prevê penalidades intensificadas para o tráfico de drogas, especialmente o de drogas pesadas.
Isso não chega a afetar a vida dos garotos que fazem manobras radicais em seus skates e bikes BMX no parque. A maioria diz que cultiva sua própria maconha em casa, de qualquer maneira.
"Para nós, ela nem é droga", disse Reading, dando uma tragada num cigarro grosso repleto de skunk, uma maconha "temperada". Explicando que a droga o ajuda a ser melhor no skate, ele afirma: "Ainda tenho meu equilíbrio. Se bem que, às vezes, os dias vão passando, passando e, quando você vê, já se passou uma semana e você não fez nada do que deveria ter feito, tipo encontrar um trabalho".
A professora de creche Ashley Finnegan, 30, vive no conjunto habitacional de Stockwell. Ela diz que prefere de longe os garotos chapados do parque de skate aos alcoólatras e viciados que moram em seu prédio.
Ela cultiva maconha em sua casa e fuma um ou dois baseados por noite -mas, declara, nunca na frente de seu filho, de quatro anos. "É muito mais provável um alcoólatra da região ser violento ou pedir esmolas na rua", disse.
"Se a maconha tem algum efeito real, é o de deixar as pessoas mais tranquilas."
Haind, o pintor de placas, concorda. "Se não vivêssemos todos chapados, haveria tumultos em grande escala aqui."


Tradução de Clara Allain

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