São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Saúde vive "estado de emergência" na Venezuela

Programa "bairro adentro", principal de Chávez para setor, sofre falta de médicos

Presidente tenta sanar problema para evitar que crise reflita negativamente nas urnas nas eleições legislativas do ano que vem

DO "FINANCIAL TIMES", EM CARACAS

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pareceu perplexo quando, em um de seus programas de TV dominicais recentes, ouviu o relato de uma convidada sobre o pesadelo vivido por sua irmã ao tentar encontrar um lugar para dar à luz em Caracas.
Já em trabalho de parto, a mulher foi enviada de um hospital a outro, sendo rejeitada repetidas vezes devido à falta de médicos e leitos nos hospitais. Incrédulo, o presidente venezuelano perguntou: "Quem é o responsável por isso?" Muitos venezuelanos atribuem a culpa ao próprio Chávez. Veem o fenômeno cada vez mais comum -conhecido como "corrida"- como sintomático da decadência dos hospitais públicos do país rico em petróleo, após anos de descaso.
A rede popular de centros de saúde primária instituída por Chávez nas favelas venezuelanas deteriorou tanto nos últimos dois anos que, no mês passado, o presidente a declarou em estado de "emergência". Isso, apesar de os cofres do governo estarem transbordando de petrodólares, graças a um salto nos preços da energia nos últimos anos. É uma questão que causa preocupação considerável ao presidente, em vista das eleições legislativas que enfrentará em 2010. O apoio popular de que Chávez continua a gozar deve muito a seus programas sociais, em especial o programa de saúde em estilo cubano, conhecido como "bairro adentro", voltado à saúde preventiva. Nas últimas semanas, Chávez vem se esforçando para alardear as conquistas do programa, afirmando que salvou 226.324 vidas desde que foi instaurado, em 2003.
"Reduzimos os níveis de pobreza pela metade [nos últimos dez anos], e aposto minha vida que teremos eliminado a miséria e a pobreza por completo nos próximos dez anos", disse Chávez na semana passada, anunciando que mais de mil médicos adicionais seriam enviados de Cuba para somar-se aos cerca de mil que já trabalham no "bairro adentro", além de aproximadamente 2.500 estudantes venezuelanos que concluíram sua formação médica na ilha caribenha.
Não há dúvida de que o "bairro adentro" precisa de mais médicos. Chávez admitiu que cerca de 2.000 entre os mais ou menos 6.700 centros de saúde, frequentemente contando com apenas um profissional cada, foram "abandonados".
Mas especialistas dizem que problemas desse tipo não podem ser resolvidos simplesmente com a importação de mais médicos cubanos, cujo contingente diminuiu significativamente em 2005 quando Chávez enviou 4.000 deles à Bolívia para criar um sistema semelhante no vizinho. Muitos deles já voltaram para casa, e alguns aproveitaram o programa para fugir do regime castrista.
"A crise de saúde venezuelana não será resolvida apenas arrumando o "bairro adentro", apesar de todo o bem que este faz", disse Patricia Yáñez, socióloga da Universidade Central da Venezuela. Devido à criação do sistema paralelo do "bairro adentro", o sistema de saúde nacional se tornou ainda mais fragmentado, caro e ineficiente do que já era, disse ela.
Mas esses problemas viram insignificantes quando comparados à situação dos caóticos hospitais públicos do país, onde são atendidas emergências e cirurgias importantes e onde são feitos partos. Com o "bairro adentro" atraindo a parcela maior dos recursos do governo, os hospitais enfrentam uma carência aguda de leitos e médicos especialistas, enquanto os equipamentos básicos são escassos ou desatualizados e frequentemente faltam remédios.
Devido aos salários baixos e às condições de trabalho miseráveis, mais médicos estão optando por emigrar para países como Espanha ou Austrália ou trabalhar no setor privado. Isso vem tendo consequências gravíssimas para os índices de mortalidade materna, que continuam desnecessariamente altos na Venezuela, e também para o atendimento neonatal, diz Marino Gonzalez, ex-representante da Venezuela na Organização Mundial da Saúde.
Além disso, o setor de saúde venezuelano é prejudicado pela corrupção, a má gestão e a desorganização, que tornam ineficazes novos investimentos. "Frequentemente se constata que os hospitais recém-reformados, dotados dos equipamentos mais modernos, estão fechados, enquanto hospitais com condições terríveis permanecem abertos -ou que reformas foram iniciadas mas nunca concluídas", diz o ginecologista Rafael Castillo.


Tradução de CLARA ALLAIN


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