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Saúde vive "estado de emergência" na Venezuela
Programa "bairro adentro", principal de Chávez para setor, sofre falta de médicos
Presidente tenta sanar problema para evitar que crise reflita negativamente nas urnas nas eleições legislativas do ano que vem
DO "FINANCIAL TIMES", EM CARACAS
O presidente da Venezuela,
Hugo Chávez, pareceu perplexo quando, em um de seus programas de TV dominicais recentes, ouviu o relato de uma
convidada sobre o pesadelo vivido por sua irmã ao tentar encontrar um lugar para dar à luz
em Caracas.
Já em trabalho de parto, a
mulher foi enviada de um hospital a outro, sendo rejeitada
repetidas vezes devido à falta
de médicos e leitos nos hospitais. Incrédulo, o presidente venezuelano perguntou: "Quem é
o responsável por isso?"
Muitos venezuelanos atribuem a culpa ao próprio Chávez. Veem o fenômeno cada vez
mais comum -conhecido como "corrida"- como sintomático da decadência dos hospitais públicos do país rico em petróleo, após anos de descaso.
A rede popular de centros de
saúde primária instituída por
Chávez nas favelas venezuelanas deteriorou tanto nos últimos dois anos que, no mês passado, o presidente a declarou
em estado de "emergência".
Isso, apesar de os cofres do
governo estarem transbordando de petrodólares, graças a um
salto nos preços da energia nos
últimos anos. É uma questão
que causa preocupação considerável ao presidente, em vista
das eleições legislativas que enfrentará em 2010.
O apoio popular de que Chávez continua a gozar deve muito a seus programas sociais, em
especial o programa de saúde
em estilo cubano, conhecido
como "bairro adentro", voltado
à saúde preventiva. Nas últimas
semanas, Chávez vem se esforçando para alardear as conquistas do programa, afirmando
que salvou 226.324 vidas desde
que foi instaurado, em 2003.
"Reduzimos os níveis de pobreza pela metade [nos últimos
dez anos], e aposto minha vida
que teremos eliminado a miséria e a pobreza por completo
nos próximos dez anos", disse
Chávez na semana passada,
anunciando que mais de mil
médicos adicionais seriam enviados de Cuba para somar-se
aos cerca de mil que já trabalham no "bairro adentro", além
de aproximadamente 2.500 estudantes venezuelanos que
concluíram sua formação médica na ilha caribenha.
Não há dúvida de que o "bairro adentro" precisa de mais
médicos. Chávez admitiu que
cerca de 2.000 entre os mais ou
menos 6.700 centros de saúde,
frequentemente contando com
apenas um profissional cada,
foram "abandonados".
Mas especialistas dizem que
problemas desse tipo não podem ser resolvidos simplesmente com a importação de
mais médicos cubanos, cujo
contingente diminuiu significativamente em 2005 quando
Chávez enviou 4.000 deles à
Bolívia para criar um sistema
semelhante no vizinho. Muitos
deles já voltaram para casa, e alguns aproveitaram o programa
para fugir do regime castrista.
"A crise de saúde venezuelana não será resolvida apenas
arrumando o "bairro adentro",
apesar de todo o bem que este
faz", disse Patricia Yáñez, socióloga da Universidade Central da Venezuela. Devido à
criação do sistema paralelo do
"bairro adentro", o sistema de
saúde nacional se tornou ainda
mais fragmentado, caro e ineficiente do que já era, disse ela.
Mas esses problemas viram
insignificantes quando comparados à situação dos caóticos
hospitais públicos do país, onde
são atendidas emergências e cirurgias importantes e onde são
feitos partos. Com o "bairro
adentro" atraindo a parcela
maior dos recursos do governo,
os hospitais enfrentam uma carência aguda de leitos e médicos especialistas, enquanto os
equipamentos básicos são escassos ou desatualizados e frequentemente faltam remédios.
Devido aos salários baixos e
às condições de trabalho miseráveis, mais médicos estão optando por emigrar para países
como Espanha ou Austrália ou
trabalhar no setor privado. Isso
vem tendo consequências gravíssimas para os índices de
mortalidade materna, que continuam desnecessariamente altos na Venezuela, e também para o atendimento neonatal, diz
Marino Gonzalez, ex-representante da Venezuela na Organização Mundial da Saúde.
Além disso, o setor de saúde
venezuelano é prejudicado pela
corrupção, a má gestão e a desorganização, que tornam ineficazes novos investimentos.
"Frequentemente se constata que os hospitais recém-reformados, dotados dos equipamentos mais modernos, estão
fechados, enquanto hospitais
com condições terríveis permanecem abertos -ou que reformas foram iniciadas mas
nunca concluídas", diz o ginecologista Rafael Castillo.
Tradução de CLARA ALLAIN
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