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ARTIGO
EUA precisam ver o mundo real na TV
ROGER COHEN
DO "NEW YORK TIMES"
Na academia de ginástica da
base da Otan em Cabul, soldados americanos andam em esteiras todas as manhãs enquanto assistem ao canal da Al Jazeera em inglês. Quando Osama bin Laden vira notícia, a fina flor dos militares americanos malha sob o olhar solene de
seu inimigo mais procurado.
Isso soa como uma cena do
inferno particular de Donald
Rumsfeld. O ex-secretário da
Defesa tachou a Al Jazeera de
"porta-voz da Al Qaeda". Certa
vez ele descreveu a rede, que
pertence ao Qatar e tem lá sua
sede, como "mal-intencionada,
imprecisa e imperdoável".
Num indício do que o governo de George W. Bush pensa do
jornalismo feito pela Al Jazeera
(e também do habeas corpus),
ela mantém um dos cinegrafistas da rede, Sami al Hajj, preso
em Guantánamo há mais de
cinco anos, sem acusação.
A liberdade do que assistir na
academia da Otan é bem mais
sábia do que as palavras de
Rumsfeld ou o tratamento terrível de Hajj. Os EUA precisam
assistir à Al Jazeera para entender como o mundo mudou.
Menos "soft power"
A primeira mudança que precisa ser compreendida é a redução da capacidade dos EUA de
influenciar pessoas. O acesso
global à informação hoje significa que existe um imenso menu à la carte. As redes fogem de
qualquer controle, e os EUA
podem facilmente parecer excludentes e menos relevantes.
A segunda mudança essencial é a erosão sofrida pelo poderio americano. O "hard power" dos EUA -seu poderio militar- tem sua força comprometida pelas guerras refratárias de contra-insurgência no
Iraque e Afeganistão. Sua economia está sob pressão -haja
vista a fraqueza cada vez maior
do dólar. Seu "soft power" -a
capacidade de a idéia americana ecoar no mundo- foi prejudicada por sua perda de legitimidade (Hajj na prisão) e sua
incompetência (Iraque).
A terceira mudança crucial é
a consolidação do antiamericanismo como idéia política. O islamismo jihadista é a expressão
mais violenta dessa idéia, mas
seus agentes se beneficiam por
nadarem num mar de ressentimentos menos assassinos.
Em resposta a tudo isso, os
EUA podem dizer: "Ao diabo
com esse mundo ingrato". Esse
caminho representa uma espiral descendente. Ou podem
tentar entender o novo mundo.
Para a compreensão desse
mundo, a Al Jazeera em inglês
oferece uma cartilha útil. A
emissora às vezes é tendenciosa de modos capazes de revirar
nosso estômago. De forma geral, porém, seu esforço por reportagens equilibradas, apresentadas desde uma perspectiva própria, parece ser genuíno.
Um ano após seu lançamento, a rede já é vista por 100 milhões de residências espalhadas
pelo mundo. Seu foco recai em
"reportagens vindas do Sul político e endereçadas ao Norte
político", como diz seu diretor
administrativo, Nigel Parsons.
Entretanto, a rede vem sendo colocada de escanteio nos
EUA. O deputado democrata
Jim Moran, da Virgínia, disse-me: "Há definitivamente uma
idéia aqui de que esses caras
são o inimigo. Mas no Oriente
Médio, na Ásia e na Europa eles
gozam de uma credibilidade da
qual os EUA precisam desesperadamente." Moran teve um
encontro com executivos da Al
Jazeera em inglês que buscavam ampliar seu alcance lilliputiano nos EUA. Hoje, 147 mil
residências em Toledo, Ohio, e
mil em Burlington, Vermont,
podem assistir à rede a cabo.
"Neomacartismo"
É muito pouco. A Al Jazeera
English é muito mais acessível
em Israel. Allan Block, presidente da Block Communications, proprietária da Buckeye,
me disse: "É um bom canal. Sir
David Frost e David Marash
não são terroristas. A tentativa
de denegrir a rede é neomacartismo." Como outras provedoras, a Block recebeu cartas de
protesto da organização conservadora Accuracy in Media
(precisão na mídia).
Cliff Kincaid, seu editor, cita
Tayseer Allouni, ex-correspondente da Al Jazeera no Afeganistão preso na Espanha por
ter laços com a Al Qaeda. Para
ele, isso prova que "as provedoras de TV a cabo não deveriam
dar acesso à Al Jazeera".
A maioria das empresas cedeu ante a pressão, embora negue que tenham sido influenciadas politicamente.
Moran diz que isso é bobagem, e atribui a culpa "a ventos políticos
somados a uma estrutura empresarial avessa a riscos". Esses
ventos políticos prejudicam os
EUA. A contra-insurgência já
foi descrita como ciência social
armada. Para vencer, é preciso
compreender o mundo.
Tradução de CLARA ALLAIN
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