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ANÁLISE
Encontro é certidão de batismo do G2
China e Estados Unidos se firmam como únicos ocupantes do assento da frente na condução de grandes temas globais
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, à
China serviu, acima de tudo,
para emitir a certidão de nascimento do G2, formado obviamente pelos dois países, como
os únicos ocupantes do assento
da frente na condução dos assuntos globais.
Não se trata de interpretação
de algum dos especialistas que
têm falado assiduamente nesse
novo G. É uma declaração de
Jon Huntsman, embaixador
dos Estados Unidos na China e,
como tal, importante membro
da delegação norte-americana:
"Só há realmente dois países
no mundo que podem, juntos,
resolver certos assuntos, seja
energia limpa, mudança climática, segurança regional, Irã,
Coreia do Norte, Afeganistão e
Paquistão, chegando até à economia global", deixou claríssimo Huntsman, no "briefing"
(sessão informativa) para os repórteres norte-americanos que
cobrem a visita.
Vai ser muito difícil, quase
impossível, conseguir uma declaração tão explícita de algum
diplomata, de qualquer país,
sobre como encara o gerenciamento do planeta.
É claro que os chineses, discretos como são, jamais exporiam, de público, uma visão tão
nítida. Mesmo assim, o presidente Hu Jintao listou uma
vasta coleção de temas em que
ele e Obama estão "dispostos a
atuar em benefício mútuo", coleção que, de alguma forma,
equivale à lista de Huntsman:
"Estamos dispostos a aprofundar nossa cooperação em contraterrorismo, aplicação da lei,
ciência, tecnologia, espaço exterior, aviação civil, exploração
espacial, infraestrutura de ferrovias de alta velocidade, agricultura, saúde e outros campos", para não mencionar "um
progresso ainda maior no fortalecimento de laços de militares para militares".
É igualmente significativo
que o G2 tenha puxado para si o
tema do reequilíbrio da economia global, que ocupa também
o G20 -o clube das 21 maiores
economias do mundo mais a
União Europeia- sem que tenha, contudo, sido satisfatoriamente encaminhado.
Qual é o equilíbrio que se
busca? Ei-lo, nas palavras de
Barack Obama:
"Uma estratégia em que a
América poupe mais, gaste menos, reduza nossa dívida de longo prazo e em que a China faça
ajustes em um amplo elenco de
políticas para rebalancear sua
economia e estimular a demanda doméstica".
O desequilíbrio que se quer
corrigir agora existia antes da
crise de 2008 e bom número de
especialistas aponta-o como a
grande causa para ela.
Yuan
No bojo desse grande desequilíbrio há outro, no câmbio,
que é a grande preocupação
imediata do ministro brasileiro
da Fazenda, Guido Mantega: a
sobrevalorização do real em relação tanto ao dólar norte-americano como ao yuan chinês,
aliás a ele indexado.
Mantega levou essa inquietação à mais recente reunião ministerial do G20, sem que o comunicado final a mencionasse
nem mesmo tangencialmente.
Evidência adicional que o G2
lida com mais fluidez com assuntos que o G20 não consegue
administrar, Obama reclamou
de Hu Jintao do câmbio do
yuan, subvalorizado, e saudou
"o compromisso chinês, feito
em manifestações passadas, de
mover-se rumo a uma taxa de
câmbio mais ditada pelo mercado, com o tempo".
Mas, atenção, a certidão de
batismo do G2 não quer dizer
que EUA e China estão de acordo em tudo. Bem ao contrário,
as divergências conhecidas
(Irã, mudança climática, o câmbio etc.) permanecem.
Mas as duas partes reconhecem, como escreveu o jornalista Keith Richburg para o "Washington Post", que "as economias norte-americana e chinesa -a maior do mundo e a grande economia que cresce mais
rapidamente, respectivamente- tornaram-se inextricavelmente ligadas, trancadas em
uma espécie de codependência
que nenhum dos lados acha que
é particularmente saudável,
mas que, no momento, nenhum dos dois vai se mover para romper".
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