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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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"Ele era um homem cortês", diz ex-tradutor

DO "LE MONDE"

Um ditador onipresente, duro, cruel e impiedoso para com seus inimigos reais ou imaginários pode se tornar por vezes "cortês e generoso" (ou mesmo "amistoso") para com seus subordinados.
Em livro publicado em outubro, em Paris, um iraquiano de 58 anos, ex-alto funcionário e ex-professor de francês em Bagdá, defende esse perfil sem meias palavras. Tradutor pessoal de Saddam Hussein até a queda do regime em abril, Saman Abdul Majid trabalha hoje em Qatar.
"Eu não lamento o final de um regime que não cheguei a apreciar", diz ele. Majid é curdo, etnia que Saddam perseguiu. Mas o ex-tradutor é indulgente. Em "Nos Anos de Saddam", chega a dizer que, "contrariamente ao que dizia a mídia, Saddam não era ideologicamente contra os curdos, xiitas ou comunistas". Ele só reprimiria quem contestasse seu regime.
Mas o ex-ditador também poderia se mostrar "educado e sedutor" na presença de convidados. "Saddam demonstrava sempre gentileza e uma certa cortesia".
Os convidados estrangeiros eram submetidos por Saddam a intermináveis digressões históricas sobre a grandeza do Iraque, mas, em geral, acabavam ganhando um presente valioso (um relógio Rollex ou um tapete oriental).
Mesmo com servidores subalternos, diz o ex-tradutor com certa emoção, "ele sempre parecia sereno e afável". Relata que, muitas vezes, Saddam interrompia o convidado e pedia que o tradutor tomasse chá antes que esfriasse.
A portas fechadas, Saddam demonstrava humor. O cardeal Etchegaray, enviado especial do papa ao Iraque em 2003, lembra que o ditador lhe disse que ele estava forte e em boa saúde. "Se o senhor não fosse padre, eu proporia que se casasse com uma iraquiana bonita, que eu lhe encontraria!"
Saddam apenas não brincava com sua própria segurança. Era um obcecado. Jamais recebeu um único convidado sem estar acompanhado de um guarda-costas.
O ex-ditador raramente se separava de sua Browning. Certa vez, com dores nas costas, pediu que outro tradutor ficasse com a arma. Outro detalhe: mesmo depois da invasão do Kuait, quando Saddam passou a viver uma rotina de reclusão, as faxineiras ou os demais auxiliares não eram submetidos a revistas de suas roupas.
Ou seja, Saman Abdul Majid poderia ter entrado num dos palácios com uma arma para assassinar Saddam. Mas a idéia jamais lhe passou pela cabeça.


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