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"Ele era um homem
cortês", diz ex-tradutor
DO "LE MONDE"
Um ditador onipresente, duro,
cruel e impiedoso para com seus
inimigos reais ou imaginários pode se tornar por vezes "cortês e
generoso" (ou mesmo "amistoso") para com seus subordinados.
Em livro publicado em outubro,
em Paris, um iraquiano de 58
anos, ex-alto funcionário e ex-professor de francês em Bagdá,
defende esse perfil sem meias palavras. Tradutor pessoal de Saddam Hussein até a queda do regime em abril, Saman Abdul Majid
trabalha hoje em Qatar.
"Eu não lamento o final de um
regime que não cheguei a apreciar", diz ele. Majid é curdo, etnia
que Saddam perseguiu. Mas o ex-tradutor é indulgente. Em "Nos
Anos de Saddam", chega a dizer
que, "contrariamente ao que dizia
a mídia, Saddam não era ideologicamente contra os curdos, xiitas
ou comunistas". Ele só reprimiria
quem contestasse seu regime.
Mas o ex-ditador também poderia se mostrar "educado e sedutor" na presença de convidados.
"Saddam demonstrava sempre
gentileza e uma certa cortesia".
Os convidados estrangeiros
eram submetidos por Saddam a
intermináveis digressões históricas sobre a grandeza do Iraque,
mas, em geral, acabavam ganhando um presente valioso (um relógio Rollex ou um tapete oriental).
Mesmo com servidores subalternos, diz o ex-tradutor com certa emoção, "ele sempre parecia
sereno e afável". Relata que, muitas vezes, Saddam interrompia o
convidado e pedia que o tradutor
tomasse chá antes que esfriasse.
A portas fechadas, Saddam demonstrava humor. O cardeal Etchegaray, enviado especial do papa ao Iraque em 2003, lembra que
o ditador lhe disse que ele estava
forte e em boa saúde. "Se o senhor
não fosse padre, eu proporia que
se casasse com uma iraquiana bonita, que eu lhe encontraria!"
Saddam apenas não brincava
com sua própria segurança. Era
um obcecado. Jamais recebeu um
único convidado sem estar acompanhado de um guarda-costas.
O ex-ditador raramente se separava de sua Browning. Certa vez,
com dores nas costas, pediu que
outro tradutor ficasse com a arma. Outro detalhe: mesmo depois
da invasão do Kuait, quando Saddam passou a viver uma rotina de
reclusão, as faxineiras ou os demais auxiliares não eram submetidos a revistas de suas roupas.
Ou seja, Saman Abdul Majid
poderia ter entrado num dos palácios com uma arma para assassinar Saddam. Mas a idéia jamais
lhe passou pela cabeça.
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