São Paulo, terça-feira, 19 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

"Haitianos devem trabalhar na reconstrução"

Frentes de trabalho com cidadãos locais ajudariam a reerguer país criando empregos, diz Robert Maguire, do Instituto da Paz dos EUA

Em entrevista à Folha, americano afirma que país deveria criar uma espécie de Bolsa Família para impedir repetição de êxodo rural

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Parte do dinheiro da assistência internacional ao Haiti deve ser canalizado para o pagamento de salários em frentes de trabalho nas quais os próprios haitianos reconstruiriam o país, defende, em entrevista à Folha, Robert Maguire, do Instituto da Paz dos EUA. Especialista em situações pós-conflito, Maguire vem colaborando há três anos com o governo do presidente René Préval.  

FOLHA - Como o sr. avalia a operação de socorro montada pelos EUA?
ROBERT MAGUIRE
- Em termos práticos, o Haiti é bem próximo, e os EUA têm uma história longa, embora complicada, com o país. É lógico que a operação de ajuda seja robusta. Do ponto de vista político, sabe-se que o governo Obama tem a tarefa de recuperar a imagem dos EUA, e a resposta ao terremoto contribui para isso. O povo americano, além disso, deve se sentir gratificado pela simples razão de que, se houver um novo Katrina nos EUA, terá confiança de que o governo vai ter uma resposta rápida e forte.

FOLHA - O sr. acha que os EUA conseguirão manter o caráter multilateral dessa operação?
MAGUIRE
- Nos EUA há a tendência de tomar conta de iniciativas desse tipo. Minha aposta seria que o governo Obama vai ser confrontado com esse instinto, mas tentará trabalhar contra ele. Em 2008, quando o Haiti foi atingido pelos furacões, o candidato Obama pediu cooperação e parceria internacional. O Departamento de Estado vinha adotando essa abordagem na revisão da política americana para o Haiti. A Minustah foi muito atingida pelo terremoto e precisa recuperar sua capacidade de ação. Espero que os EUA, além de ajudar a Minustah nessa tarefa, sejam capazes de recuar quando a missão puder reassumir a posição original. Quanto à participação dos demais países, acho que a palavra de ordem do hemisfério deveria ser "somos todos haitianos agora".

FOLHA - Pensando no pós-terremoto, o que pode ser feito para propiciar o desenvolvimento do Haiti?
MAGUIRE
- A atitude da comunidade internacional em relação ao Haiti sempre foi a de contornar o governo haitiano. Em alguns casos isso podia ser uma boa ideia, porque esses governos eram autoritários, corruptos ou os dois. Agora é diferente. O governo, embora fraco, tem legitimidade. Por isso, é importante que se assegure que participe das decisões, porque é seu país, são suas prioridades.Tem gente sugerindo que o Haiti se torne uma espécie de protetorado da ONU, mas é uma ideia péssima, do século 19. A retórica de parceria com os líderes haitianos deve ser praticada.

FOLHA - Em termos econômicos, em médio e longo prazo, o que o Haiti pode fazer para dar emprego à sua população?
MAGUIRE
- Já começamos a ver, por causa do terremoto, um movimento para fora de Porto Príncipe, uma espécie de descentralização de fato. A população da cidade é tão grande porque nos últimos 30 anos não houve investimento na área rural. A única opção era migrar. Mas as pessoas das favelas de Porto Príncipe ainda têm conexões com o campo. Uma iniciativa importante seria descentralizar o plano de reconstrução, alocar recursos para garantir que essas pessoas tenham trabalho em suas comunidades de origem.
Tenho defendido duas coisas para o Haiti, que se tornaram ainda mais prementes agora. Uma é um programa semelhante ao Bolsa Família brasileiro. Ele poderia começar a ser implementado no campo, onde ainda há instituições funcionais depois do terremoto.
A segunda é o estabelecimento de uma espécie de serviço civil nacional. É a hora de fazer isso, para que a ajuda internacional possa ser transformada em assistência em dinheiro para os haitianos, que se organizariam em frentes de trabalho para a reconstrução da infraestrutura e do ambiente em todo o país. Esse dinheiro reforçaria a capacidade de produção local, propiciando a criação de empregos sem tanta dependência de investimentos externos.


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