São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

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MINHA HISTÓRIA ANTHONY GRAVES, 45

Castigo sem crime

Americano ficou 18 anos preso por assassinatos que não cometeu e chegou a ser condenado à morte

RESUMO
Em 1992, Anthony Graves foi preso acusado de matar seis pessoas no Texas (EUA). Passou 18 anos atrás das grades, a maior parte no corredor da morte. A única testemunha era Robert Carter, pai de uma das vítimas -que depois confessou o crime. Em 2006, o julgamento foi anulado, porque o promotor não informou que Carter havia inocentado Graves. Ele foi libertado em outubro.

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Antes de ser preso eu tinha vida típica, normal, de um cara jovem. Tinha apenas 26 anos. Estava procurando trabalho e vivendo com minha mãe. Gostava de me divertir, tinha várias namoradas.
Me lembro do dia em que fui preso como se fosse ontem. Eu estava em casa e vieram me dizer que a polícia estava perguntando por mim. Não fazia ideia do que queriam. Assim que abri a porta, a polícia parou em frente à minha casa.
Disseram que eu tinha que ir até a delegacia. Não deram motivo. Eu disse à minha mãe que voltaria logo e fui com eles. Bem, demorou 18 anos.
Eu não tinha a menor noção do que poderia acontecer. Na delegacia, me disseram que eu havia sido acusado de assassinato, que um cara havia me indicado como cúmplice.
Perguntei quem foi. Quando ouvi o nome completo -Robert Carter- eu sorri, pois ele nem me conhece direito. Só poderia ser algum engano. E eu nem sequer conhecia as vítimas.
No meu primeiro julgamento, nem nos meus sonhos mais loucos imaginei que poderia ser condenado. Mas quando você está no tribunal, todo mundo só está preocupado em ganhar o caso, e a verdade se perde totalmente.
Não é verdade que o sistema de Justiça americano funciona. Para ter um julgamento justo neste país, você precisa ter muito dinheiro.

CORREDOR DA MORTE
Quando deram o veredicto, fiquei em choque. Não podia acreditar. Fiquei lá, parado, e o juiz ficou repetindo o resultado. Ele pensou que eu não tinha entendido, porque não esbocei reação.
Você não se acostuma com a vida no corredor da morte. Nunca. Você lida dia a dia. A ameaça constante da morte e as regras a que eu era submetido eram horríveis.
Vi isso acabar com muita gente. Alguns desistiam das apelações nos tribunais, porque só queriam que tudo acabasse. Outros enlouqueceram.
Meus dias começavam cedo -te acordam de madrugada para o café da manhã, com ovos e às vezes uma panqueca fria. De manhã eu tinha duas horas de recreação, sozinho.
Depois disso te levam para o chuveiro. Te alimentam de novo. Depois eu passava as horas escrevendo cartas para meus apoiadores e qualquer pessoa que eu pudesse pensar que teria alguma influência em mudar as coisas.
Também lia livros e escutava esportes no rádio. Gostava muito dos livros do Paulo Coelho.
A parte mais difícil desses anos foi ficar longe da minha família. Eu tenho três filhos, e eles cresceram sem pai.
Tive amigos muito próximos que foram executados. Da janela da minha cela eu podia ver o local em que colocavam os condenados em uma van branca que os transporta até o local da execução.
O olhar sem esperança das pessoas entrando naquela van... É algo que não vou esquecer.
É devastador ver um amigo sendo levado algemado para ser morto. Te derruba, e você precisa descobrir como se erguer de novo.
São seres humanos que estão sendo tratados como vacas doentes. Posso contar a respeito, mas ninguém que não viveu isso pode imaginar o que é.
Em momento algum pensei em ser executado. Tive muitas apelações nos tribunais. Antes da última, quando anularam o primeiro julgamento, eu não estava particularmente otimista. Estava lutando havia tanto tempo que essa era mais uma parte.
Me lembro de quando recebi a notícia de que o julgamento original foi anulado. Estava ouvindo um jogo de beisebol no rádio quando um guarda jogou um bilhetinho na minha cela. Estava escrito: "parabéns, irmão, ouvi que anularam sua condenação. Acho que você vai para casa, cara".
Eu não entendi, perguntei quem tinha escrito aquilo. Quando soube que era um amigo meu, reli umas quatro vezes [uma advogada de Graves falou sobre o resultado em um noticiário de rádio e um dos presos ouviu].
Só queria gritar bem alto. Mas os caras à minha volta continuavam lutando por suas vidas, então por respeito a eles fiquei quieto. Só fiz uma prece silenciosa.
Mas não acabou ali. Fui transferido para outra prisão para aguardar o novo julgamento. Demorou mais quatro anos até desistirem do caso.

FIM DE CASO
Quando finalmente acabou tudo... uau. Um guarda entrou na minha cela e me pediu para acompanhá-lo, sem dizer por quê.
Segui-o e encontrei minha advogada em uma sala. Eu não podia acreditar. Fazia 18 anos. Perguntei se ela estava falando sério. "Sim, você pode ir embora. Acabou", ela respondeu. E eu chorei.
Mas principalmente porque finalmente tinha acabado tudo. Ainda é algo surreal para mim. Passei 18 anos lutando por justiça. Eu me sentia como se fosse uma brincadeira, um sonho.
No meu primeiro dia de liberdade eu simplesmente andei por aí sem acreditar no que via. Não cheguei a celebrar. Como você comemora uma coisa assim?
As coisas mudaram bastante aqui fora. Quando eu fui preso, o telefone servia para fazer ligações, só. Agora esses telefones fazem tudo.
Minha coisa nova favorita é o iPhone que ganhei de Natal. Mas há muitos detalhes que acho maravilhosos na liberdade, como controlar a temperatura do chuveiro, a comida etc.


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