São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

Próximo Texto | Índice

ORIENTE MÉDIO

Diante do Parlamento agora dominado pelo grupo terrorista, o presidente palestino afirma que negociará com Israel

Na posse histórica, Abbas desafia Hamas

MICHEL GAWENDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

O Parlamento palestino, com maioria de deputados do Hamas, tomou posse ontem em cerimônia histórica que, no entanto, foi marcada pelas divergências entre o grupo terrorista islâmico e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.
Durante a posse, Abbas disse que seu governo continuará negociando com Israel e seguirá comprometido com os acordos assinados com o país. Ele não chegou a pedir abertamente que o Hamas reconhecesse Israel, mas ressaltou posições contrárias às idéias radicais do grupo.
"Não vamos aceitar qualquer questionamento da legitimidade dos acordos. No momento em que foram endossados, tornaram-se uma realidade política com a qual continuamos comprometidos", disse Abbas.
"A Presidência e o governo vão continuar respeitando nosso compromisso com as negociações como uma escolha política estratégica e pragmática", disse ele. "Ao mesmo tempo, devemos continuar fortalecendo e desenvolvendo formas de resistência de natureza pacífica."
O Hamas tem 74 dos 132 deputados do Conselho Legislativo Palestino. Catorze legisladores, sendo dez do Hamas, estão presos em Israel. O grupo defende em sua carta de fundação a destruição de Israel por meio da violência e a instauração de um estado islâmico em toda a Palestina histórica, e considera inválidos os acordos interinos de paz feitos até agora.
Desde 2001, o grupo foi responsável por mais de 60 atentados suicidas em Israel, mas vem respeitando a trégua fechada entre Abbas e Ariel Sharon no início de 2005. "Rejeitamos uma negociação com a ocupação nas atuais condições, enquanto a ocupação e a agressão continuarem", disse Moshir Al Masri, porta-voz do Hamas em Gaza.
Mas há indícios de que o Hamas pode procurar uma saída política. Em Damasco, Khaled Mashal, chefe da sessão política do Hamas, disse que o grupo pode aceitar o plano de paz saudita, que prevê a retirada israelense para as linhas de antes da Guerra dos Seis Dias (1967) e propõe uma trégua a longo prazo. Israel não aceita.
Abbas também pediu a continuidade da participação dos EUA nas negociações, o que o Hamas também é contra. Mashal, que já sofreu uma tentativa de assassinato por Israel, esteve no Sudão e na Turquia durante a semana, em busca de apoio internacional alternativo. Ele deve também procurar ajuda do Irã, da Rússia e da Venezuela.
De comum com o Hamas, Abbas defendeu a libertação de todos os palestinos que estão presos em Israel e a fundação de um Estado com Jerusalém como capital.
O presidente também criticou as políticas unilaterais de Israel, marcadas pela retirada de tropas e assentamentos da faixa de Gaza e do norte da Cisjordânia em agosto passado.
A sessão inaugural foi realizada em Ramallah, na Cisjordânia. O Parlamento tem outra sede, na Cidade de Gaza, porque os deputados foram proibidos por Israel de sair do território. Os dois plenários são conectados por videoconferência.
Antes da cerimônia de posse, cerca de 200 policiais palestinos fizeram um protesto na frente da sede do Parlamento em Gaza, exigindo o pagamento de salários atrasados. Eles disseram que haviam sido contratados há dois meses e que ainda não receberam.
Abbas pediu formalmente ao Hamas formar um governo, por ter maioria parlamentar. O grupo anunciou na semana passada que Ismail Haniye, de Gaza, deverá ser apontado como primeiro-ministro. O professor de geografia Abdel Aziz Duaik, da Cisjordânia, foi eleito presidente do Parlamento.
Haniye tem três semanas para formar o governo e pode receber mais duas, segundo a lei palestina.
Para ampliar sua legitimidade, o Hamas deve incluir membros do Fatah, partido de Abbas, mulheres e cristãos no gabinete. A formação também serve para aliviar o temor de que o Hamas implantará leis religiosas mais duras nos territórios palestinos.

Israel
O governo de Israel ameaça adotar medidas de embargo contra os palestinos. Os israelenses dizem que, com o Hamas no poder, a Autoridade Nacional Palestina passará a ser considerada uma "entidade terrorista".
O gabinete de Ehud Olmert estuda proibir a entrada de trabalhadores palestinos, o comércio entre os territórios com Israel e o congelamento dos contatos diplomáticos com a Autoridade Nacional Palestina. Na tarde de ontem já estava programado o fechamento da passagem de Erez, entre Gaza e Israel, a partir de hoje. Mas as decisões finais serão tomadas depois que o Hamas formar o governo e definir suas posições.
O recém-nomeado embaixador do Egito na faixa de Gaza, Ashraf Akr, disse que seu país pode servir como ponte diplomática entre a Autoridade Nacional Palestina controlada pelo Hamas e Israel.
"Estamos dispostos a facilitar o diálogo, não há outra alternativa, a não ser conversar", disse.
"Mas, em relação às divisões internas entre os palestinos, por enquanto não podemos fazer nada."


Próximo Texto: Artigo - Peter Demant: Hamas "criará um Arafat"?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.