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ORGULHO RUSSO
Com minissérie, diretor quer "desocidentalizar" obra-chave de seu país celebrizada em filme de Hollywood em 1965
Rússia produz versão própria de "Dr. Jivago"
ANDREW OSBORN
DO "INDEPENDENT", EM MOSCOU
A Rússia está tentando reaver
algo que Hollywood roubou de
seu cânone literário há mais de 40
anos: acaba de produzir a primeira versão nacional para a tela da
épica história de amor e revolução
de Boris Pasternak, "Dr. Jivago".
Para corrigir o que os russos
vêem como diversas imprecisões
culturais e de estilo no grande sucesso dirigido em 1965 por David
Lean para o estúdio MGM, uma
minissérie com 11 capítulos foi
produzida em Moscou com alguns dos melhores atores russos.
Deve começar a ir ao ar em maio.
A idéia é "desocidentalizar" um
dos únicos três romances russos a
ter valido a seus autores um Prêmio Nobel de literatura e proporcionar ao público russo contemporâneo uma visão autêntica de
uma obra proibida pelas autoridades comunistas até o final dos
anos 1980.
Para muitos no Ocidente, o filme americano "original", feito
com grande orçamento, definiu o
que era a Rússia: neve, românticos passeios de trenó, paisagens
majestosas, música folclórica sedutora e revolução. Quarenta
anos mais tarde, porém, os russos
argumentam que Lean errou feio
em muitas coisas, senão em todas.
Embora vejam com tolerância o
célebre filme do diretor britânico,
feito com dinheiro americano e
que ganhador de cinco Oscar, os
russos são irredutíveis ao dizer
que foi uma versão peculiarmente
ocidental de uma obra literária essencialmente russa.
No filme de Hollywood, Omar
Sharif faz o papel do protagonista,
o médico e poeta Yuri Jivago, filho
de uma família siberiana rica que
luta para encontrar o amor contra
o pano de fundo brutal da Revolução Russa de 1917 e da guerra civil entre Vermelhos e Brancos que
se seguiu a ela.
O elenco estelar incluía Julie
Christie no papel de Lara, uma
das duas mulheres que Jivago
ama, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness e Ralph Richardson. A trilha sonora de
Maurice Jarre, inspirada em
Tchaikovsky, e especialmente o
recorrente "Tema de Lara" fincaram raízes na imaginação de toda
uma geração, pelo menos no Ocidente. O filme, com mais de três
horas de duração, foi aclamado
como um dos melhores de Lean.
Mas para Aleksander Proshkin,
diretor da primeira versão russa
de "Dr. Jivago", o filme de Hollywood erra em inúmeros detalhes.
"É um filme americano belíssimo que pertence à época em que
foi feito", disse, em referência à
versão de Lean. "Mas é americano. Não retrata a realidade da
Rússia. É a Rússia vista através de
olhos anglo-saxões. Na verdade,
não é russo nem é Pasternak."
Proshkin observou, por exemplo, a incongruência do uso repetido da balalaica, instrumento
musical camponês russo, na trilha
sonora do filme, quando se leva
em conta que a família Jivago era
milionária e fazia parte da mais alta classe social russa.
"Ela [a balalaica] não tem lugar
na vida de milionários. É como se
fizéssemos um filme sobre a Ásia
mostrando um presidente que toca banjo. Seria errado."
E Proshkin observa que as casas
de campo da Sibéria não têm cúpulas ornamentadas em formato
de cebola, como mostra o filme de
Hollywood. Mas o que realmente
falta ao filme americano, diz, é um
retrato autêntico da alma ou do
estado de espírito russos. "É como
quando um de nossos atores faz o
papel de um americano ou britânico. Existem certas coisas que
não podem ser captadas."
Proshkin observa que, ironicamente, a personagem Lara não
era a heroína russa clássica que
Hollywood mostrou na tela, mas
filha de pai belga e mãe francesa,
fato que a tornava "diferente" e
"mais livre".
O diretor faz questão de não
desprezar o filme de Hollywood,
observando que foi feito em plena
Guerra Fria, quando a Rússia era
praticamente fechada a estrangeiros. Por esse motivo, foi rodado
na Espanha e na Finlândia, em lugar de Moscou e Sibéria.
A escala e o orçamento da produção russa, protagonizada por
Oleg Menshikov, um dos atores
mais queridos no país, não se
comparam ao filme de Hollywood. Mas Proshkin tem a certeza de ter criado um "Dr. Jivago"
mais fiel ao original.
"Este é o romance-chave para
entender a Rússia", diz. "Com "O
Don Silencioso" [Mikhail Cholokhov] e "O Arquipélago Gulag"
[Alexandre Soljenitsin], é um dos
três romances russos a ganhar o
Nobel. Não é o melhor ou o mais
perfeito dos romances, mas toda a
Rússia está representada nele."
Tradução de Clara Allain
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