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AMÉRICAS
Para Peter Hakim, expansão do antiamericanismo na América Latina, impulsionada por Chávez, é preocupante
EUA têm novo rival real na AL, diz analista
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
Se Washington virou as costas
para a América Latina após o 11 de
Setembro, agora está alerta e
pronto para tolher a figura de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que desponta como o "primeiro adversário real" dos EUA
no hemisfério em muitos anos,
embalado pelo crescente rejeicionismo e antiamericanismo na região. É o diagnóstico de Peter Hakim, presidente do "think tank"
Inter-American Dialogue.
A recente escalada de hostilidades diplomáticas entre os EUA e a
Venezuela demonstra isso.
Apesar de ter em Chávez um adversário com "recursos petrolíferos para bancar o populismo",
Hakim avalia que os EUA não estão alarmados com uma suposta
onda populista ou a emergência
de uma nova esquerda na região.
Porém explica que Washington
faz uma clara distinção entre países pragmáticos e ideológicos baseado em três fatores: a centralização política, o fechamento econômico e o antiamericanismo. Por
esses quesitos, o Brasil de Luiz
Inácio Lula da Silva e o Chile de
Michelle Bachelet caem no campo
do pragmatismo, onde há um
"modus vivendi" aceitável para os
EUA.
Já o antiamericanismo precisa
ser combatido -o problema é a
crescente força política derivada
dele em países como a Argentina,
de Néstor Kirchner, e a Bolívia, de
Evo Morales. Leia a seguir trechos
da entrevista de Hakim à Folha.
Folha - Qual foi o fator marcante
da perda de interesse de Washington na América Latina?
Peter Hakim - A América Latina
desapontou os EUA porque não
apoiou a guerra contra o terrorismo, especificamente a invasão do
Iraque. Os países da região levam
muito a sério o fato de os EUA não
levarem o debate à ONU. A América Latina olha para as organizações internacionais porque não
são países poderosos, mas dividem o hemisfério com os EUA e
precisam se proteger do unilateralismo americano.
Folha - Por que? Há uma ameaça
de ação unilateralista na região?
Hakim -Não uma ameaça imediata, mas eles têm experiência e
muita ansiedade a respeito disso.
Por isso não surpreende a ênfase
em soberania e não-intervenção.
Nesse caso, há um ressentimento
claro. Tirando o Oriente Médio,
nenhuma outra região fez uma
oposição tão veemente.
Folha - Mas isso é peculiar à administração Bush?
Hakim -No meio do mandato de
Bush, houve uma redução das expectativas dos EUA. As palavras
que definem o clima em Washington com relação à América
Latina é desapontamento, desilusão, desencantamento. A região
não se tornou o que era esperado
há dez ou vinte anos em termos
de economia, política e avanço social. A própria América Latina ficou amarga por isso.
Folha - Como Washington vê a
chamada onda populista e a nova
esquerda na região?
Hakim - Não acho que há preocupação com a onda de governos
de esquerda, mas há uma preocupação séria com o surgimento de
um adversário real, na forma de
Hugo Chávez. Tirando Cuba, faz
muito tempo que os EUA não têm
um adversário verdadeiro na
América Latina. E agora surge
Chávez com uma agenda clara:
excluir os EUA.
Isso se soma ao fato de que têm
apoio limitado nos outros países
para poder encarar Chávez. Há algum preocupação com [o presidente da Argentina, Néstor]
Kirchner e uma hesitação com relação à Bolívia, mas nenhum alarme geral com ondas populistas ou
esquerdistas, apenas com o antiamericanismo.
Folha - O que os EUA querem da
América Latina?
Hakim - Querem relações comerciais, políticas e colaboração
em questões como o tráfico de
drogas. Mas Chávez quer a América Latina sem os EUA.
Folha - E o Brasil nisso tudo?
Hakim - Há desentendimentos
com Lula, mas ele ganhou pontos
com o fator Haiti [o Brasil comanda a operação militar da ONU no
país]. Nunca vão concordar em
temas como subsídios agrícolas
ou propriedade intelectual, mas a
relação é construtiva. Lula é um
homem de esquerda, mas tem sido pragmático, tem evitado confrontos. Os EUA e o Brasil alcançaram um "modus vivendi" no
qual trabalham juntos quando
podem e aceitam as diferenças.
Folha - É possível dizer que, para
os EUA, há duas esquerdas, uma
pragmática com Lula e Michelle Bachelet [presidente do Chile] e outra
ideológica com Hugo Chávez e Evo
Morales [presidente da Bolívia]?
Hakim - Creio que sim. Os EUA
olhariam por três critérios: processo democrático, políticas econômicas razoáveis e antiamericanismo. A esquerda em si não cria
uma impraticabilidade. Mas temos Kirchner e Chávez nessa categoria não-pragmática, não levando em conta os melhores arranjos sem preceitos ideológicos.
Folha - E Washington não poderia
ter evitado boa parte do antiamericanismo?
Hakim - Havia apoio após o 11 de
Setembro, mas, depois do Afeganistão, houve essa escalada na
inabilidade de levar em consideração o ponto de vista internacional. E, depois, o tratamento de
prisioneiros, a tortura em Abu
Ghraib, Guantánamo, etc. Os
EUA pressionavam a América Latina com relatórios de direitos humanos, mas as regras mudaram
quando se sentiram atacados. São
dois pesos e duas medidas.
Folha - O que o sr. acha da tese de
que o populismo poderia estar amplificando a democracia, prevenindo o elitismo democrático?
Hakim - George Orwell costumava dizer que o uso de algumas palavras é indicação de que a pessoa
está mentindo. Populismo é uma
dessas palavras. As pessoas usam
para defender seus interesses. O
problema existe quando o populismo significa falta de responsabilidade, falta de disciplina financeira, promessas não cumpridas.
Como Hugo Chávez. Mas, com a
renda do petróleo que ele tem, é
um dos poucos que podem bancar o populismo.
Folha - Essa política baseada em
ideologia vai se espalhar?
Hakim - Sim, certamente. Não há
dúvida de que há uma política de
rejeicionismo na América Latina.
Como disseram na Argentina:
"Que se vayan todos". Temos Morales, Chávez, Kirchner. Não há
dúvida de que esse sentimento
existe e de que o antiamericanismo é fonte de força. E a situação
de Bush não ajuda. Será difícil ele
fazer concessões em assuntos que
interessam aos latino-americanos, como os subsídios agrícolas e
a imigração ilegal.
Folha - Qual o futuro possível para a América Latina sem fortes laços com os EUA?
Hakim - Vamos ver mais disso
porque há mais alternativas hoje.
Aquela velha noção de pan-americanismo, um hemisfério trabalhando junto com os EUA à frente, já acabou. Estamos caminhando na direção da diversidade. As
relações com os EUA serão de
país a país, de assunto a assunto.
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