São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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EUROPA

Em Paris, marcha contra lei que facilita demissão de jovens termina com 19 feridos e 166 detidos; governo não recua

Manifestações reúnem 500 mil na França

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

No final da tarde de ontem em Paris, Jean Jablonsky, um professor de 50 anos, corria aos gritos em meio à passeata: "Vejam no que deu o mundo: em [maio de] 68 lutamos para não trabalhar; hoje lutamos para trabalhar".
Os paralelos entre a atual revolta estudantil e aquela outra famosa foram enterrados pelos milhares de franceses que saíram às ruas de todo o país para protestar contra o CPE (Contrato do Primeiro Emprego). A lei, concebida pelo governo para estimular a contratação de jovens de até 26 anos, ao mesmo tempo reduz os encargos sociais dos patrões, permitindo a demissão por justa causa após dois anos -este o maior alvo da mobilização.
Foi o terceiro ato nacional pela retirada da CPE, prevista para entrar em vigor em abril, e o maior até aqui. A polícia calculou 500 mil manifestantes em todo o país e os organizadores falaram em 1,5 milhão. Em Paris, os números se moveram entre 80 mil e 350 mil.
Aos estudantes, que detonaram o movimento e paralisaram a maior parte das universidades do país, juntaram-se centrais sindicais, partidos de esquerda, ONGs.
Enquanto durou, a marcha da capital, a maior de todas, foi uma calmaria. A reportagem da Folha a acompanhou desde a concentração, na praça Denfert Rochereau, até o final, na praça De la Nation, um trajeto de cerca de 7 km, percorrido em quase quatro horas. Não viu nem mesmo um empurra-empurra. A polícia acompanhou à distância, cercando as ruas em torno do percurso.
Mas, como ocorrera na última quinta, após a dispersão ativistas entraram em choque com a polícia, com um saldo de 166 presos e ao menos sete policiais e 12 jovens feridos, além de alguns carros queimados. Também houve distúrbios em Marselha e Rennes.
Mas talvez o que mais tenha chamado a atenção no protesto parisiense -e ajudado a distingui-lo dos de 68- foi a presença maciça de pais ao lado dos filhos.
Milhares de famílias acompanharam a manifestação. Os estudantes sabem que não querem o CPE, mas parecem não ter clareza do que querem no lugar, questão primordial num país onde o desemprego entre jovens de 15 a 24 anos é de quase 22%, mais que o dobro da taxa nacional (9,6%).
"Essa lei trará precariedade ao trabalho, e é importante que a gente se mobilize contra isso", afirmou o secundarista Joachim Maurice-Belay, 19. Ele não sabe dizer o que modificaria na lei. Ao seu lado, a mãe, a funcionária pública Brigitte, 50, vem em socorro. "Outros projetos propondo trabalho precário já foram propostos e não resolveram. O CPE é discriminatório, pois se volta para os jovens, enquanto o desemprego é um problema nacional."
O ator português Luis Rêgo, há 45 anos na França, caminha com a filha Rita. Ela: "Isso me revolta, a lei é injusta. Não sei o que fazer, sei que a lei tem que cair". Ele: "Querem acabar com a seguridade social. A globalização é a idéia estúpida de criar em países desenvolvidos mão-de-obra tão barata quanto na China e Índia. Esqueça 68, lá não havia crise econômica, o contexto é totalmente outro".

Luta por trabalho
A comparação foi destruída por pais e filhos, estudantes e trabalhadores. "Lá a luta era dos estudantes e só depois virou um levante contra o regime. Hoje estamos todos juntos desde o início, pois a luta é por trabalho", disse o ex-padre Rolando Claverie, 68.
Talvez a única analogia possível entre os dois mundos seja a de que uma vez mais os estudantes franceses mostraram seu poder.
Em 1968, forçaram o general Charles de Gaulle a dissolver o Parlamento. Em 86, conseguiram que o então primeiro-ministro Jacques Chirac abrisse mão de uma reforma universitária. Em 1994, provocaram o recuou de Edouard Balladur em um plano de trabalho para jovens.
Hoje presidente, Chirac pediu pressa no diálogo. O premiê Dominique de Villepin, fiador da lei, continuava até ontem inflexível.


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