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EUROPA
Em Paris, marcha contra lei que facilita demissão de jovens termina com 19 feridos e 166 detidos; governo não recua
Manifestações reúnem 500 mil na França
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
No final da tarde de ontem em
Paris, Jean Jablonsky, um professor de 50 anos, corria aos gritos
em meio à passeata: "Vejam no
que deu o mundo: em [maio de]
68 lutamos para não trabalhar;
hoje lutamos para trabalhar".
Os paralelos entre a atual revolta estudantil e aquela outra famosa foram enterrados pelos milhares de franceses que saíram às
ruas de todo o país para protestar
contra o CPE (Contrato do Primeiro Emprego). A lei, concebida
pelo governo para estimular a
contratação de jovens de até 26
anos, ao mesmo tempo reduz os
encargos sociais dos patrões, permitindo a demissão por justa causa após dois anos -este o maior
alvo da mobilização.
Foi o terceiro ato nacional pela
retirada da CPE, prevista para entrar em vigor em abril, e o maior
até aqui. A polícia calculou 500
mil manifestantes em todo o país
e os organizadores falaram em 1,5
milhão. Em Paris, os números se
moveram entre 80 mil e 350 mil.
Aos estudantes, que detonaram
o movimento e paralisaram a
maior parte das universidades do
país, juntaram-se centrais sindicais, partidos de esquerda, ONGs.
Enquanto durou, a marcha da
capital, a maior de todas, foi uma
calmaria. A reportagem da Folha
a acompanhou desde a concentração, na praça Denfert Rochereau, até o final, na praça De la
Nation, um trajeto de cerca de 7
km, percorrido em quase quatro
horas. Não viu nem mesmo um
empurra-empurra. A polícia
acompanhou à distância, cercando as ruas em torno do percurso.
Mas, como ocorrera na última
quinta, após a dispersão ativistas
entraram em choque com a polícia, com um saldo de 166 presos e
ao menos sete policiais e 12 jovens
feridos, além de alguns carros
queimados. Também houve distúrbios em Marselha e Rennes.
Mas talvez o que mais tenha
chamado a atenção no protesto
parisiense -e ajudado a distingui-lo dos de 68- foi a presença
maciça de pais ao lado dos filhos.
Milhares de famílias acompanharam a manifestação. Os estudantes sabem que não querem o
CPE, mas parecem não ter clareza
do que querem no lugar, questão
primordial num país onde o desemprego entre jovens de 15 a 24
anos é de quase 22%, mais que o
dobro da taxa nacional (9,6%).
"Essa lei trará precariedade ao
trabalho, e é importante que a
gente se mobilize contra isso",
afirmou o secundarista Joachim
Maurice-Belay, 19. Ele não sabe
dizer o que modificaria na lei. Ao
seu lado, a mãe, a funcionária pública Brigitte, 50, vem em socorro.
"Outros projetos propondo trabalho precário já foram propostos
e não resolveram. O CPE é discriminatório, pois se volta para os
jovens, enquanto o desemprego é
um problema nacional."
O ator português Luis Rêgo, há
45 anos na França, caminha com
a filha Rita. Ela: "Isso me revolta, a
lei é injusta. Não sei o que fazer,
sei que a lei tem que cair". Ele:
"Querem acabar com a seguridade social. A globalização é a idéia
estúpida de criar em países desenvolvidos mão-de-obra tão barata
quanto na China e Índia. Esqueça
68, lá não havia crise econômica, o
contexto é totalmente outro".
Luta por trabalho
A comparação foi destruída por
pais e filhos, estudantes e trabalhadores. "Lá a luta era dos estudantes e só depois virou um levante contra o regime. Hoje estamos todos juntos desde o início,
pois a luta é por trabalho", disse o
ex-padre Rolando Claverie, 68.
Talvez a única analogia possível
entre os dois mundos seja a de
que uma vez mais os estudantes
franceses mostraram seu poder.
Em 1968, forçaram o general
Charles de Gaulle a dissolver o
Parlamento. Em 86, conseguiram
que o então primeiro-ministro
Jacques Chirac abrisse mão de
uma reforma universitária. Em
1994, provocaram o recuou de
Edouard Balladur em um plano
de trabalho para jovens.
Hoje presidente, Chirac pediu
pressa no diálogo. O premiê Dominique de Villepin, fiador da lei,
continuava até ontem inflexível.
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