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Da esperança ao caos em três anos
Palco de um conflito sectário que deixa dezenas de mortos por dia, o Iraque nunca esteve tão perto de uma guerra civil quanto neste terceiro aniversário da invasão. E os EUA nunca estiveram tão longe de tirar seus soldados do país
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Não havia armas de destruição
em massa, mas um ditador sangüinário caiu. Uma democracia
foi implantada, mas nem em suas
mesquitas os iraquianos estejam
salvos de bombas. Houve eleições
livres, porém nenhum governo
tomou posse por não haver consenso para formá-lo. A guerra
acabou. Mas a carnificina, não.
Amanhã vão se completar três
anos desde que os EUA invadiram o Iraque. Numa cronologia
de paradoxos, em que prós e contras figuram em simbiose, nunca
os iraquianos estiveram tão próximos de mergulhar em uma
guerra civil. Para alguns observadores, essa guerra já começou.
A população que em março de
2003 se viu livre de um regime
violento agora está às voltas com
rixas mais antigas que o próprio
país. Saddam Hussein, um árabe
sunita, conseguiu manter essas
tensões latentes por 24 anos sob o
preço da repressão violenta da
maioria árabe xiita e dos iraquianos de etnia curda. Sem sua figura
intimidadora, com a chegada dos
xiitas ao poder por meio de eleições diretas, e alimentadas pela
possibilidade de a antiga classe
dominante perder o acesso aos ricos campos de petróleo do país, as
rivalidades ferveram. Acabaram
por explodir junto com uma mesquita xiita em Samarra, alvo de
um atentado em fevereiro.
Desde então, é razoável estimar
que mais de mil iraquianos tenham morrido em ataques sectários. Corpos torturados aparecem
em estradas e becos pelo país com
uma freqüência aterradora.
Os EUA não pareciam esperar
tal turbilhão, ou ao menos não tinham plano para isso, embora especialistas tenham feito alertas
nos meses anteriores e subseqüentes à guerra. Em maio de
2003, o presidente George W.
Bush discursou sob uma faixa em
que se lia "missão cumprida".
A retórica de exaltação dos sucessos pontuais é mantida com
veemência pelo presidente ainda
hoje, em um esforço por reconquistar o apoio do público -quase 80% dos americanos crêem hoje que o Iraque caminha para a
guerra civil. Falácia, ingenuidade
ou erro de cálculo, o fato é que eles
pouco têm a celebrar amanhã.
As tropas estão atoladas no país
-retirá-las neste momento, em
que as forças iraquianas ainda são
pouco experientes e coesas, pode
significar o empurrão derradeiro
para o abismo. Dificilmente o plano de começar a trazer o contingente de mais de 130 mil de volta
neste ano será levado a cabo. A
mal-ajambrada coalizão que
apoiou os EUA na invasão a despeito da desaprovação da ONU
esfacelou. Mesmo os britânicos
começam a trazer seus homens de
volta. E até os ideólogos neoconservadores que supriram de argumentos os presidente agora renegam Bush e sua insistência.
A situação saiu de tal forma de
controle que a Casa Branca decidiu recorrer ao Irã, com o qual
cortou laços diplomáticos há 27
anos, para discutir uma saída para a crise. Nos primórdios da ocupação, o maior temor dos EUA
era uma "iranização" do Iraque
-que o país de tradição laica,
mas habitado por uma maioria
xiita como seu vizinho, se tornasse uma teocracia. Agora, as vozes
mais poderosas e capazes de conter um conflito em escala maior
pertencem aos clérigos.
Consolidado o cenário, o Iraque
pode se tornar uma ameaça à segurança global muito maior do
que Bush acusava antes da guerra.
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