São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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Matança ainda é pontual, diz militar

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

Se existe, entre observadores da política internacional, quase um consenso de que é crescente o risco de uma guerra civil no Iraque, do ponto de vista militar não há nada de tão novo assim no front.
Pela lente de Amyas Godfrey, ex-oficial do Exército britânico e analista do Rusi (Instituto Real de Serviços Unidos para Estudos de Defesa e Segurança, na sigla em inglês), organização baseada em Londres e uma das mais respeitadas do mundo em análise militar, a escalada da violência sectária entre os iraquianos é um mito forjado por insurgentes para alimentar o caos e tentar levar o país à guerra civil de fato.
"O que se passa no Iraque não se encaixa nem remotamente na definição de guerra civil nem parece hoje estar indo nessa direção", declara Godfrey, diretor do Programa das Forças Armadas do Reino Unido do Departamento de Ciências Militares do Rusi.
As matanças entre sunitas e xiitas, que parecem inquestionáveis a um olhar ligeiro sobre o noticiário, são, segundo ele, "profundamente ampliadas pela mídia" e tratam-se na realidade de eventos isolados, protagonizados por facções terroristas que não têm poder de unir nacionalmente nem um nem outro grupo.
São dois os argumentos de Godfrey contra a tese de guerra civil:
1) não há liderança definida ou unificada entre os lados. Ele busca derrubar nome por nome. Abu Musab al Zarqawi, o jordaniano que se incumbiu de liderar a Al Qaeda no país, "é um terrorista e nem é iraquiano. Luta do lado árabe-sunita, mas na realidade lidera um grupo internacional de insurgentes, sem interesse nem raiz no Iraque". O xiita Ali al Sistani "é um líder religioso, mas não prega a guerra contra os sunitas nem nada parecido com guerra civil. Você poderia unir os xiitas do sul do país em torno de Sistani, mas o fato é que ele fala em integração. Os xiitas sob Sistani estão mais para a unidade iraquiana".
O clérigo xiita Muqtada al Sadr "é um terrorista, não um estrategista nem um líder religioso. Embora consiga produzir ataques potentes, sua milícia é basicamente uma organização criminosa. Pode ter algum apoio do Irã, mas nenhum no sul do Iraque.";
2) o Exército do país não está dividido -um dos principais combustíveis de uma guerra civil.
Godfrey sabe bem o que é uma guerra civil, pois, como oficial do Exército britânico, serviu no conflito da ex-Iugoslávia e na Irlanda do Norte, além de no próprio Iraque. "A coalizão tem de desmantelar a insurgência. Os rebeldes tentam criar uma concepção de que o Iraque está à beira da guerra civil. E a única chance de isso virar verdade é se a propaganda deles fizer sucesso a ponto de a luta entre as comunidades, hoje totalmente localizada, se espalhar."
É uma visão totalmente distinta da de muitos observadores civis, como o economista canadense Colin Rowat, professor da Universidade de Birmingham e também especialista em Iraque.
"O que vemos no Iraque é o que veríamos em qualquer lugar em que as forças de segurança fossem desmanteladas. Em 2003, as forças de ocupação dissiparam o Exército e grande parte da polícia e desde então têm contratado novos policiais e novos militares, sem se preocupar com a instituição dessas forças", argumenta.
Segundo Rowat, para quem é impossível dizer com clareza se já há guerra civil no país, o caos é produto de uma "imensa irresponsabilidade dos EUA, que simplesmente não fizeram planos para o pós-invasão".
O libanês Nadim Shehadi, do instituto Chatham House, de Londres, defende que o processo político é o termômetro da crise. "Um colapso total no processo político significaria a guerra civil. Até agora, mesmo frágil, ele está caminhando. Esse é o aspecto positivo e é o que nos permite dizer que não há guerra civil."
Analista de Oriente Médio da renomada organização, Shehadi vê dois vencedores e um derrotado na guerra. "O Irã, que tem maximizado sua influência no Iraque, e Saddam Hussein, que, nesse estágio, está vencendo a guerra, usando seu julgamento como plataforma política contra a ocupação. "Os americanos são os grandes perdedores. Três anos depois, o resultado da intervenção é bem diferente do que projetavam."


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