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Matança ainda é pontual, diz militar
FÁBIO VICTOR
DE LONDRES
Se existe, entre observadores da
política internacional, quase um
consenso de que é crescente o risco de uma guerra civil no Iraque,
do ponto de vista militar não há
nada de tão novo assim no front.
Pela lente de Amyas Godfrey,
ex-oficial do Exército britânico e
analista do Rusi (Instituto Real de
Serviços Unidos para Estudos de
Defesa e Segurança, na sigla em
inglês), organização baseada em
Londres e uma das mais respeitadas do mundo em análise militar,
a escalada da violência sectária
entre os iraquianos é um mito forjado por insurgentes para alimentar o caos e tentar levar o país à
guerra civil de fato.
"O que se passa no Iraque não se
encaixa nem remotamente na definição de guerra civil nem parece
hoje estar indo nessa direção", declara Godfrey, diretor do Programa das Forças Armadas do Reino
Unido do Departamento de Ciências Militares do Rusi.
As matanças entre sunitas e xiitas, que parecem inquestionáveis
a um olhar ligeiro sobre o noticiário, são, segundo ele, "profundamente ampliadas pela mídia" e
tratam-se na realidade de eventos
isolados, protagonizados por facções terroristas que não têm poder de unir nacionalmente nem
um nem outro grupo.
São dois os argumentos de Godfrey contra a tese de guerra civil:
1) não há liderança definida ou
unificada entre os lados. Ele busca
derrubar nome por nome. Abu
Musab al Zarqawi, o jordaniano
que se incumbiu de liderar a Al
Qaeda no país, "é um terrorista e
nem é iraquiano. Luta do lado
árabe-sunita, mas na realidade lidera um grupo internacional de
insurgentes, sem interesse nem
raiz no Iraque". O xiita Ali al Sistani "é um líder religioso, mas não
prega a guerra contra os sunitas
nem nada parecido com guerra
civil. Você poderia unir os xiitas
do sul do país em torno de Sistani,
mas o fato é que ele fala em integração. Os xiitas sob Sistani estão
mais para a unidade iraquiana".
O clérigo xiita Muqtada al Sadr
"é um terrorista, não um estrategista nem um líder religioso. Embora consiga produzir ataques
potentes, sua milícia é basicamente uma organização criminosa.
Pode ter algum apoio do Irã, mas
nenhum no sul do Iraque.";
2) o Exército do país não está dividido -um dos principais combustíveis de uma guerra civil.
Godfrey sabe bem o que é uma
guerra civil, pois, como oficial do
Exército britânico, serviu no conflito da ex-Iugoslávia e na Irlanda
do Norte, além de no próprio Iraque. "A coalizão tem de desmantelar a insurgência. Os rebeldes
tentam criar uma concepção de
que o Iraque está à beira da guerra
civil. E a única chance de isso virar
verdade é se a propaganda deles
fizer sucesso a ponto de a luta entre as comunidades, hoje totalmente localizada, se espalhar."
É uma visão totalmente distinta
da de muitos observadores civis,
como o economista canadense
Colin Rowat, professor da Universidade de Birmingham e também especialista em Iraque.
"O que vemos no Iraque é o que
veríamos em qualquer lugar em
que as forças de segurança fossem
desmanteladas. Em 2003, as forças de ocupação dissiparam o
Exército e grande parte da polícia
e desde então têm contratado novos policiais e novos militares,
sem se preocupar com a instituição dessas forças", argumenta.
Segundo Rowat, para quem é
impossível dizer com clareza se já
há guerra civil no país, o caos é
produto de uma "imensa irresponsabilidade dos EUA, que simplesmente não fizeram planos para o pós-invasão".
O libanês Nadim Shehadi, do
instituto Chatham House, de
Londres, defende que o processo
político é o termômetro da crise.
"Um colapso total no processo
político significaria a guerra civil.
Até agora, mesmo frágil, ele está
caminhando. Esse é o aspecto positivo e é o que nos permite dizer
que não há guerra civil."
Analista de Oriente Médio da
renomada organização, Shehadi
vê dois vencedores e um derrotado na guerra. "O Irã, que tem maximizado sua influência no Iraque, e Saddam Hussein, que, nesse estágio, está vencendo a guerra,
usando seu julgamento como plataforma política contra a ocupação. "Os americanos são os grandes perdedores. Três anos depois,
o resultado da intervenção é bem
diferente do que projetavam."
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