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Europa e ONU criticam frase do papa sobre preservativos
Em visita à África, Bento 16 havia dito que camisinha é "parte do problema" da Aids
Governos europeus fazem defesa da distribuição de preservativos; para ministra francesa, pontífice disse "inverdade monstruosa"
DA REDAÇÃO
A declaração do papa Bento
16 de que a distribuição de preservativos é parte do problema,
e não da solução, da disseminação da Aids no mundo, provocou ontem fortes reações de governos europeus e da agência
da ONU responsável por assuntos relacionados à doença.
Anteontem, ainda no avião
que o levava para um giro de
seis dias pela África, com escalas em Camarões e Angola, o
papa afirmou que políticas desse tipo "aumentam o problema". A visão da igreja é a de que
a distribuição indiscriminada
de preservativos pode estimular um comportamento sexual
que ela vê como irresponsável e
que estaria na raiz da epidemia
de Aids que o mundo viveu em
décadas recentes.
A doença já matou mais de 25
milhões de africanos desde o
início dos anos 80. Hoje, cerca
de 20 milhões de pessoas no
continente -o mais atingido
pela doença- têm o vírus HIV,
e alguns países da região apresentam taxas superiores a 20%
da população infectada.
Em resposta, o Ministério
das Relações Exteriores da
França expressou ontem "uma
grande preocupação sobre as
consequências das declarações
de Bento 16".
"Ao mesmo tempo em que
não nos cabe criticar a doutrina
da igreja, acreditamos que declarações desse tipo dificultam
políticas de saúde pública e
[vão contra] o imperativo de
proteger a vida humana", disse
o porta-voz do ministério.
Em entrevista a uma rádio, a
ministra da Saúde da França,
Roselyne Bachelot, afirmou
que o papa "proferiu uma
monstruosa inverdade científica", que prestava um desserviço às mulheres africanas.
Em Berlim, os ministros da
Saúde e do Desenvolvimento
da Alemanha disseram em nota
conjunta que "camisinhas salvam vidas, na Europa e em outros continentes".
Também a agência da ONU
para a Aids afirmou em comunicado divulgado ontem que
uma "resposta abrangente
-incluindo o uso de preservativos- é essencial para conter a
disseminação da Aids".
Etnocentrismo
Bento 16, no entanto, no segundo dia de sua visita a Camarões, se concentrou em outra
questão cara a seu pontificado.
Ele criticou "todo o etnocentrismo e particularismo excessivos", afirmando que os sacerdotes africanos devem evitar
que as missas "festivas e animadas" com elementos sincréticos locais se tornem obstáculo
para o "diálogo e comunhão
com Deus".
A incorporação de elementos
da cultura local em celebrações
católicas foi uma das grandes
mudanças promovidas na igreja pelo Concílio Vaticano 2º
(1962-1965), espécie de "reforma" que buscou aproximar o
catolicismo da modernidade.
O papa Bento 16, no entanto,
discorda dessa interpretação
do concílio como um movimento de "aggiornamento", e
prefere enfatizar a continuidade e a tradição da Igreja Católica. Daí uma série de medidas e
interpretações em seu pontificado que buscam minimizar
práticas reformistas.
A crítica ao "etnocentrismo"
africano traz algo de paradoxal,
diz o antropólogo Otávio Velho,
do Museu Nacional. "A Igreja
Católica Romana é absolutamente etnocêntrica, em termos
europeus, e não faz a crítica disso", afirmou. "Mas o papa quer
que os outros a façam."
Com agências internacionais
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