|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
análise
Papa quer que universalismo paute organismo
FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO
A defesa do multilateralismo não significa que o papa
abriu mão de sua cruzada
contra o que qualifica de relativismo dos valores. Ao menos é isso que se depreende
de avaliação do discurso do
sumo pontífice feita pela antropóloga Paula Montero,
professora titular do Departamento de Antropologia da
Unicamp, e por José Arthur
Giannotti, professor emérito
de filosofia da USP, ambos
pesquisadores do Cebrap
(Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento).
Segundo Montero, em seu
discurso à ONU Bento 16
tenta "criar prerrogativas
para definir o verdadeiro
universalismo" e, assim, fazer uma distinção entre legalidade e justiça.
Para Bento 16, o direito e a
ética devem ter fundamentação divina, portanto transcendental. "É a dimensão religiosa que dá acesso ao discernimento. É por aí que
chegamos à verdade", diz
Montero acerca do raciocínio do papa.
Quando, em referência à
soberania dos Estados, Bento 16 afirma que "é um erro
retornar ao comportamento
pragmático, limitado a um
determinado terreno comum", ele quer dizer que os
Estados não têm a prerrogativa da transcendência, que
pertence à Igreja Católica, e
portanto não podem fazer
justiça verdadeira, embora
movam-se na esfera das legalidades. "Os Estados podem
até entrar em acordo entre
si, mas vai faltar algo [na visão da igreja]", diz.
Para o papa, diz Montero,
o motivo de um Estado não
ter o direito de se declarar interventor em outro reside no
caráter limitado da instituição Estado e do homem, que
a criou. Na argumentação do
pontífice, "é necessária uma
instituição fora da história
para dizer que essa intervenção é legítima". E o papa enxerga essa instituição como
sendo a igreja.
"Na medida em que ele [o
papa] tem o monopólio da
verdade, ele tem o monopólio da aplicação das regras, da
intervenção", afirma o filósofo Giannotti.
A verdade da qual o papa
supostamente é detentor é
uma verdade divina, lembra
o coordenador da área de filosofia do Cebrap. "A verdade foi definida religiosamente. E é um tipo de verdade
que não tem o outro na sua
definição; não precisa ter o
acesso dialogal."
Assim, não é de estranhar
que, como afirma Giannotti,
já em suas primeiras palavras o papa tenha "invertido
a posição" e transformado a
ONU, "que é uma instituição
política, numa instituição
moral". Se vista como uma
instituição que aspira à aplicação de preceitos morais, as
Nações Unidas devem se
guiar pela verdade religiosa,
e o papel que Bento 16 pede
dela ganha sentido.
Texto Anterior: Bento 16 defende soluções coletivas na ONU Próximo Texto: Carter sugere a Hamas trégua com Israel Índice
|