São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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análise

Papa quer que universalismo paute organismo

FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO

A defesa do multilateralismo não significa que o papa abriu mão de sua cruzada contra o que qualifica de relativismo dos valores. Ao menos é isso que se depreende de avaliação do discurso do sumo pontífice feita pela antropóloga Paula Montero, professora titular do Departamento de Antropologia da Unicamp, e por José Arthur Giannotti, professor emérito de filosofia da USP, ambos pesquisadores do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Segundo Montero, em seu discurso à ONU Bento 16 tenta "criar prerrogativas para definir o verdadeiro universalismo" e, assim, fazer uma distinção entre legalidade e justiça.
Para Bento 16, o direito e a ética devem ter fundamentação divina, portanto transcendental. "É a dimensão religiosa que dá acesso ao discernimento. É por aí que chegamos à verdade", diz Montero acerca do raciocínio do papa.
Quando, em referência à soberania dos Estados, Bento 16 afirma que "é um erro retornar ao comportamento pragmático, limitado a um determinado terreno comum", ele quer dizer que os Estados não têm a prerrogativa da transcendência, que pertence à Igreja Católica, e portanto não podem fazer justiça verdadeira, embora movam-se na esfera das legalidades. "Os Estados podem até entrar em acordo entre si, mas vai faltar algo [na visão da igreja]", diz.
Para o papa, diz Montero, o motivo de um Estado não ter o direito de se declarar interventor em outro reside no caráter limitado da instituição Estado e do homem, que a criou. Na argumentação do pontífice, "é necessária uma instituição fora da história para dizer que essa intervenção é legítima". E o papa enxerga essa instituição como sendo a igreja.
"Na medida em que ele [o papa] tem o monopólio da verdade, ele tem o monopólio da aplicação das regras, da intervenção", afirma o filósofo Giannotti.
A verdade da qual o papa supostamente é detentor é uma verdade divina, lembra o coordenador da área de filosofia do Cebrap. "A verdade foi definida religiosamente. E é um tipo de verdade que não tem o outro na sua definição; não precisa ter o acesso dialogal."
Assim, não é de estranhar que, como afirma Giannotti, já em suas primeiras palavras o papa tenha "invertido a posição" e transformado a ONU, "que é uma instituição política, numa instituição moral". Se vista como uma instituição que aspira à aplicação de preceitos morais, as Nações Unidas devem se guiar pela verdade religiosa, e o papel que Bento 16 pede dela ganha sentido.


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