São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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ÍNDIA

Em meio a ameaças de nacionalistas e pressões do mercado, a líder, cuja família é marcada por assassinatos políticos, rejeita cargo

Gandhi se nega a ser primeira-ministra

Kamal Kishore/Reuters
Seguidor de Gandhi se desespera após a decisão; ele foi contido


DA REDAÇÃO

Após a inesperada vitória nas eleições parlamentares da Índia na quinta-feira passada, Sonia Gandhi, a líder do Partido do Congresso, voltou a surpreender o mundo ontem ao anunciar que não irá se tornar primeira-ministra. A decisão, que chocou o seu partido e grande parte da população, provocou forte alta no mercado financeiro do país.
"O posto de primeira-ministra nunca foi meu objetivo. Sempre tive a certeza de que, se algum dia estivesse na posição em que estou hoje, eu iria seguir minha voz interior. Humildemente, eu rejeito o cargo", afirmou.
Gandhi, 57, não explicou os motivos que a levaram a desistir do cargo. O principal deles deve ser o temor de ter o mesmo destino que sua sogra, Indira Gandhi, e seu marido, Rajiv Gandhi: os dois se tornaram premiês e foram assassinados por extremistas.
Nascida na Itália, Sonia Gandhi ganhou a cidadania indiana em 1983, mas até hoje é chamada de estrangeira por políticos radicais. Após a vitória na semana passada, nacionalistas hindus fizeram protestos contra a sua indicação para primeira-ministra e membros do Partido Bharatiya Janata (BJP), do ex-premiê Atal Behari Vajpayee, derrotado nas eleições, disseram que boicotariam a cerimônia de posse de Gandhi. "Uma estrangeira se tornando primeira-ministra vai colocar a segurança nacional e o respeito próprio do país em risco", disse Uma Bharti, ministra dos Esportes no gabinete de Vajpayee.
Segundo informações veiculadas na TV indiana, os filhos de Gandhi -Rahul, 34, que também se elegeu para o Parlamento, e Priyanka, 32, que participou ativamente da campanha- tiveram um importante papel na decisão, temendo que a mãe se tornasse alvo de extremistas hindus.
"Como parlamentar, digo que ela deveria ser a primeira-ministra. Como filho, respeito sua decisão", afirmou Rahul.
Gandhi negou ter recebido ameaças e disse que estava agindo no interesse da nação. "Minha responsabilidade neste momento crítico é dar à Índia um governo secular que seja forte e estável."
Outro motivo que deve ter pesado na recusa de Gandhi são as persistentes dúvidas sobre a estabilidade do futuro governo. Apesar de ter conquistado a maior bancada, o Partido do Congresso e os demais que formam a coalizão vencedora só terão a maioria no Parlamento com o apoio dos comunistas. Estes afirmaram que dariam apoio informal, mas se manifestaram contra as privatizações de estatais, o que causou grande abalo no mercado financeiro anteontem.
Gandhi tinha os olhos marejados quando anunciou sua decisão no Parlamento. Membros de seu partido tentaram por mais de duas horas demovê-la de sua posição -alguns choravam e soluçavam enquanto faziam súplicas.
Gandhi não disse quem indicará para o cargo, mas o favorito parece ser Manmohan Singh, 71, ex-ministro das Finanças e considerado o arquiteto do programa de liberalização introduzido pelo Partido do Congresso entre 1991 e 1996 (entre outras medidas, desvalorização da rupia, corte de subsídios, desburocratização e privatização de algumas estatais).
Um dia após ter sofrido a pior queda de sua história (11%), a Bolsa de Mumbai (ex-Bombaim) reagiu às notícias da desistência de Gandhi e da possível indicação de Singh subindo 8% -a maior alta registrada em um único dia.

Com agências internacionais


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