São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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ANÁLISE

Democracia indiana sairá vencedora

HAMISH MCRAE
DO "INDEPENDENT"

Índia ou China? Democracia ou controle central? Desde a decolagem econômica da China, que começou com as reformas de 1978, muitas pessoas dizem que é mais fácil que haja crescimento econômico na China do que na Índia.
Segundo o argumento, contanto que o governo seja sensível aos sinais dos mercados, um comando centralizado da economia pode gerar um crescimento mais elevado do que o mais desorganizado sistema democrático.
O crescimento econômico cria muitos vencedores, mas não deixa de gerar alguns perdedores. Assim, seria mais difícil manter o apoio às reformas numa democracia (na qual os perdedores têm voz política) do que numa autocracia (na qual eles não a têm).
O argumento é sedutor. Desde a década de 80, a China apresenta um crescimento econômico de cerca de 8% ao ano. Já a Índia tem surtos de crescimento, mas as reformas econômicas do início dos anos 80 não impediram a ocorrência de uma crise em 1991. Em seguida, houve um programa de austeridade -que abriu caminho para mais de uma década de ótimos resultados econômicos.
Mas o partido reformista que estava no governo perdeu a última eleição, e os mercados financeiros foram tomados pelo pânico. Talvez os eleitores não gostem das conseqüências do crescimento econômico, incluindo o aumento da desigualdade. Na China e na Índia, a classe média está hoje numa situação bem melhor, mas a nova riqueza demora a chegar à maior parte da população.
Na China, onde a desigualdade social é maior do que na Índia, as autoridades conseguem controlar a dissidência. Na Índia, o governo perdeu o poder. E, a julgar perla reação dos mercados financeiros, as reformas estão em perigo.
Mas a ala democrática não precisa desesperar-se. A situação não é tão delicada. Há boas razões para crer que, no futuro, a economia indiana venha a ser tão dinâmica quanto a chinesa. O melhor modo de explicar a reação negativa dos mercados é lembrar que todos os mercados detestam surpresas, e a eleição indiana foi uma surpresa. Ademais, a possibilidade de os comunistas fazerem parte da coalizão governamental assusta.
E, logicamente, a decisão de Sonia Gandhi de não assumir o governo só faz aumentar a confusão.
Mas é útil pensar a médio prazo e observar o histórico do partido de Gandhi. Tanto as reformas iniciais dos anos 80 quanto as mais radicais introduzidas em 1992 foram lançadas por seu partido. O partido que deixa o poder agora herdou uma economia forte e fez com que a situação melhorasse, mas o principal já tinha sido feito.
O arquiteto da segunda etapa de reformas foi o então ministro das Finanças, Manmohan Singh. Provavelmente, seu programa de reformas tenha tirado mais gente da pobreza do que qualquer outro no mundo. Talvez 200 milhões de pessoas tenham sentido uma melhora radical nos últimos 12 anos.
Em 1991, o déficit orçamentário era de 8,5% do PIB. Singh fez, então, um discurso em que disse que a Índia tinha de pensar grande. Além de apertar o cinto, o país deveria introduzir reformas liberalizantes para dar alento ao espírito empreendedor das pessoas.
A idéia era que a Índia se tornaria uma potência econômica, e isso seria feito por meio da redução das normas reguladoras, do aumento da competição, da simplificação do sistema fiscal e do estímulo à tomada de riscos. O partido de Singh ficou no poder o tempo necessário para que as reformas se enraizassem. Após uma troca de governo, não houve forte mudança de políticas, embora Singh nem sempre estivesse de acordo com as medidas tomadas.
A questão é saber se os 12 anos de reformas criaram uma base suficientemente sólida para assegurar o crescimento econômico. O novo governo poderá ser fraco. Mas não creio nessa hipótese. Para começar, o sucesso econômico gerou uma autoconfiança bastante clara. Os frutos do sucesso são óbvios, embora ainda não sejam divididos de modo equitativo.
Investimentos consideráveis criaram empregos, e a classe empresarial é bem maior e mais competitiva internacionalmente hoje do que há dez anos. E não se trata só de industrias tradicionais, mas de empresas de produtos eletrônicos e de alta tecnologia.
Crescimento ininterrupto não é natural. O caso chinês esconde grandes riscos. Podemos esperar problemas na China. Talvez eles também ocorram na Índia, mas a grande lição é que o país aprendeu que uma democracia pode ser um sucesso econômico.


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