São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HAITI

Para comandante brasileiro, será difícil diferenciar uns de outros; manifestante morre em novo dia de violentos protestos

Rebelde se mistura a "famintos", diz militar

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Em mais um dia de protestos violentos no país caribenho, o comandante do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais Haiti, capitão-de-mar-e-guerra Marco Antonio Nepomuceno da Costa, disse ontem que a principal dificuldade dos militares brasileiros no Haiti será diferenciar o "faminto, o desesperado" do rebelde. Isso porque, segundo ele, os rebeldes estão infiltrados na população.
Milhares de manifestantes enfrentaram ontem a tropa de choque em Porto Príncipe para exigir a volta do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide. O manifestante Titus Simpton, 23, foi baleado e morreu. Não se sabe de onde partiu o disparo.
Em Gonaives, o presidente da Frente de Reconstrução Nacional (FRN), Buteur Metayer, exigiu, em discurso para mil pessoas, a saída das tropas francesas do país.
"Abaixo a ocupação francesa, abaixo a França, que se vão os brancos!", disse Metayer, um dos rebeldes que lideraram o levante contra o ex-presidente.
Aristide, que está na Jamaica, acusa Washington de forçá-lo a renunciar no dia 29 de fevereiro, quando seu governo enfrentava violentos protestos. Os Estados Unidos negam.
Costa vem, desde o fim de fevereiro, estudando as condições sociais, econômicas, políticas e militares do Haiti, os hábitos da população e suas manifestações religiosas e culturais.
No próximo dia 31, ele deverá viajar para a ilha do Caribe, onde comandará o grupamento, criado pelo governo brasileiro para atuar na missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) -o nome oficial é Missão das Nações Unidas de Estabilização no Haiti.
"É um país muito pobre, talvez o mais pobre das Américas. Vamos conviver com pessoas famintas, uma população extremamente necessitada. Os rebeldes estão entre eles", afirmou ele à Folha em seu gabinete, no Comando da Tropa de Desembarque da Força de Fuzileiros da Esquadra da Marinha, no município de Duque de Caxias (região metropolitana do Estado do Rio).
Na avaliação do comandante, as dificuldades serão sentidas logo no início da atuação brasileira em território haitiano. Ele previu problemas na identificação de quem está com o comportamento alterado por causa da miséria e da fome e de quem está agindo indevidamente por integrar as forças rebeldes do país.
"O pretenso inimigo é difuso, escondido em meio à população", disse Costa, 50, já avisado de que poderá ficar até um ano no Haiti, pois há a possibilidade de prorrogação do prazo da missão, de seis meses.
A crise no Haiti, que vem desde as eleições de 2000, supostamente fraudadas, se acirrou no início deste ano, quando os rebeldes, parte deles antigos aliados de Aristide, avançaram contra Porto Príncipe, capital do país. Aristide, pressionado, acabou deixando o país.
Os estudos sobre a situação haitiana levaram o capitão-de-mar-e-guerra a esboçar o perfil do rebelde local.
"Ele é originário das camadas mais pobres da população. Há também ex-militares, que tornaram-se rebeldes a partir da dissolução das Forças Armadas do Haiti, há cerca de dez anos."
Costa comandará um grupo de 230 fuzileiros navais (22 oficiais, 65 suboficiais e sargentos e 143 cabos e soldados) recrutados pela Marinha em sete batalhões e bases no Estado do Rio. Haverá ainda 890 militares do Exército.
O oficial previu que haverá dificuldades por causa do idioma. As línguas oficiais do Haiti são o francês e o francês crioulo. Os fuzileiros receberão um dicionário com palavras portuguesas traduzidas em francês crioulo e inglês.
Quase metade dos soldados que vão compor a próxima força de paz são sul-americanos. De acordo com o ministro da Defesa, José Viegas, é a primeira vez que um contingente de soldados da região representa quase 50% de uma força de paz da ONU.
A missão terá duração inicial de seis meses, mas poderá ser renovada. O objetivo é a manutenção da paz, mas os soldados poderão desarmar grupos rivais.


Com agências internacionais
Colaborou Cláudia Dianni, de Buenos Aires


Texto Anterior: 11 de setembro: Rivalidade afetou resgate, diz comissão
Próximo Texto: Missão como "treino" para o Rio divide analistas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.