São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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Missão como "treino" para o Rio divide analistas

TALITA FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DO RIO

Especialistas brasileiros divergem sobre a possibilidade, levantada por um general, de que a missão militar no Haiti sirva de "treino" para a atuação de soldados brasileiros na repressão ao crime no Rio.
Para Ronaldo Leão, professor do Núcleo de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), as missões são semelhantes, pois, em ambos os casos, as forças vão desempenhar papel de polícia.
Leão, que preside a ONG Instituto de Defesa Nacional, se diz contra a atuação das Forças Armadas nos dois casos.
A hipótese surgiu em reportagem da Folha no último domingo, lançada pelo general Américo Salvador, que comandará a missão no Haiti.
"O papel das Forças Armadas é a imposição da paz. Fazer a manutenção da paz é papel da polícia. O governo está mandando os militares para lá [o Haiti] para uma missão policial. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica não são para isso", afirmou Leão.
Para ele, as Forças Armadas não podem intervir numa área que não seja a sua, como havia solicitado o governo do Estado do Rio. "O Exército não é feito para a contenção, mas para a destruição. Os militares não são treinados para dizer: "Com licença, o senhor está detido"."
O governo do Rio e autoridades federais passaram um mês discutindo a possibilidade de os militares atuarem contra a criminalidade, como já ocorreu seis vezes desde os anos 90.
As negociações terminaram sem acordo, na semana passada, quando a governadora Rosinha Matheus (PMDB) rejeitou proposta dos militares que previa o patrulhamento das principais vias da região. Ela havia pedido que as Forças Armadas ocupassem provisoriamente favelas da capital.
Diferentemente do professor Ronaldo Leão, o diretor de relações internacionais da ONG Centro de Justiça Global, James Cavallaro, disse não ver paralelo entre a atuação militar no Haiti e no Rio. Segundo ele, é "irresponsável" dizer que a missão no Haiti será um treinamento para os brasileiros.
"Nem sabemos exatamente o que as tropas brasileiras farão no Haiti. E daí a dizer que eles voltarão de lá capacitados para atuar em locais como o Rio é preocupante. As situações do Haiti e do Rio são radicalmente diferentes. No Haiti, a tentativa é de garantir o cumprimento da Constituição. No Rio, o problema é simplesmente de polícia", afirmou.
Presidente da ONG Tortura Nunca Mais, a psicóloga Cecília Coimbra também não vê semelhanças entre as duas situações.
"Já somos contra a intervenção das tropas brasileiras no Haiti. Aí vem esse general [Salvador] dizer que a ida para lá servirá de treino para ações dentro do país. Isso é absurdo, pois as Forças Armadas não devem nunca atuar na segurança pública", disse Coimbra.
As tropas brasileiras comandarão a missão internacional de paz no Haiti porque é praxe que o país que fornece o maior contingente chefie a operação.


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