|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AMÉRICA LATINA
Biografia lançada no Brasil traz retrato íntimo e da vontade de "transcendência" do presidente da Venezuela
Chávez investiu para ser líder, diz biógrafa
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Diante de um personagem tão
polarizador, amado e odiado com
igual grau de histeria, a biografia
"Hugo Chávez sem uniforme"
(ed. Gryphus) foi elogiada em críticas desde o "The New York Times" ao diário da esquerda argentina "Página/12". Os autores
-o casal venezuelano formado
pela jornalista Cristina Marcano e
o escritor Alberto Barrera- viveram no México entre 1996 e 2002,
ficando de fora da eleição do ex-coronel e do golpe contra ele.
A proposta de escrever a biografia nasceu justamente do braço
mexicano da editora Random
House/Mondadori. Ambos voltaram à Venezuela, e durante dois
anos, até o final de 2004, pesquisaram a vida do presidente, há sete
anos no poder. Entrevistaram, em
sua maioria, pessoas que conviveram com ele. O resultado chegou
às livrarias brasileiras ontem.
Marcano e Barrera estarão na semana que vem no Rio de Janeiro
para participar do seminário "As
transformações contemporâneas
na América do Sul".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Marcano
deu à Folha.
Folha - Quando Chávez começou
a ter vontade de ser o líder da América Latina?
Cristina Marcano - Sua ambição
pessoal é de transcender a história. Ele não quer ser apenas um
presidente a mais. E quer fazer
história na América Latina. Agora, ele só pôde se projetar graças
ao preço do petróleo. Os antecessores dele viveram com um barril
de petróleo a US$ 8 ou 16. A US$
70, ele pode gastar muito.
Ele é o presidente latino-americano que mais investiu tempo e
dinheiro para se tornar um líder
na região. Damos petróleo e investimos em vários vizinhos mais
pobres. Fazemos negócios e acordos que são sempre prejudiciais à
Venezuela.
Folha - E sua transformação em
ícone global?
Marcano - Ele aprendeu isso na
Venezuela. Os seus eleitores adoram vê-lo se confrontando com
os poderosos. "Finalmente alguém se atreve", dizem. Brigar
com ricos, empresários, juízes, a
igreja. Ao criticar o presidente dos
EUA, George W. Bush, ganha admiração. Ele diz o que muitos
pensam. Quem vai querer defender Bush? Quando chama Bush
de "assassino" ganha manchetes.
Folha - No livro, a sra. diz que
Chávez não se considerava nem de
esquerda, nem de direita, em sua
primeira campanha, e que apenas
se dizia bolivariano. Quando foi
sua transformação?
Marcano - Ele já tinha idéias de
esquerda. Mas, na campanha eleitoral de 1998, foi satanizado como
comunista. E ele ocultou isso. O
panorama no continente mudou,
e ele nunca esteve tão forte. Mas
os esquerdistas venezuelanos não
o consideram de esquerda.
Acham que ele é um populista,
que manteve o capitalismo de
sempre, a dependência dos EUA,
paga disciplinadamente ao FMI.
Não houve revolução.
Folha - O empresariado venezuelano apoiou Chávez quando ele
concorreu pela primeira vez. Por
que houve a ruptura?
Marcano - Os empresários quiseram se impor, e Chávez deixou
claro que quem manda é ele, impôs distância. Mas quem atirou a
primeira pedra foi Chávez. Começou a bater nos ricos e viu que lhe
rendia popularidade. A retórica
lhe deu muitos inimigos. Mas, hoje, o empresariado fez as pazes
com ele. Eles querem fazer negócios com o governo, que está
cheio de dinheiro do petróleo.
Muitos, que antes eram opositores, hoje abaixam a cabeça e se beneficiam economicamente.
Um caso emblemático é o de
Gustavo Cisneros. Chávez o acusava de ser um dos cabeças do
golpe de 2002. Só que hoje a Venevisión, canal de TV de Cisneros,
elogia o governo. Esses grandes
empresários sempre querem estar
com quem vai ganhar. Só que eles
subestimaram Chávez e sua independência. Pensavam que seria
uma marionete, dócil, que pudessem manejá-lo. Mas não há ninguém menos dócil que Chávez.
Folha - A Venezuela esperava um
Chávez?
Marcano - Em 200 anos de história, só tivemos 40 anos de governos civis. No país, o homem forte
é importante. Até os anos 30, tínhamos 3 milhões de habitantes.
A maior parte da população do
país nasceu e se formou sob a
idéia de que fomos escolhidos pela providência para morar em um
território onde jorra petróleo. Somos milionários sem precisar trabalhar, e alguém precisa distribuir
esse dinheiro.
Folha - Chávez é tão brigão pessoalmente?
Marcano - Quase todos o retratam como um homem muito simpático, afetuoso no trato, cativante. Mas, como chefe, e como presidente, é conhecido pelo trato duro, castrense, um general. Com
sua equipe é na base do "eu mando, você obedece". Apesar de seu
incrível talento de comunicação,
ele não pode controlar sua contrariedade diante de qualquer crítica.
É intolerante. Não tem experiência como político civil, em negociar com gente diferente, construir consensos. Do golpe e da prisão, ele foi para a Presidência.
Folha - Com mais poder e mais dinheiro, Chávez mudou muito?
Marcano - O sucesso subiu à sua
cabeça. Ele se sente um dos homens mais poderosos do mundo,
que não tem limites. Apesar de
bem calculista, nota-se que ele já
não cuida tanto do impacto de
suas palavras no exterior. Ele disse que se Alan García vencer no
Peru, romperá relações com o
país. E isso só ajudou García. Essa
intromissão mostra que ele anda
meio cego pela vaidade.
Folha - Os defeitos de Chávez são
bem conhecidos. Quais são suas
maiores virtudes?
Marcano - Ele é muito perseverante e um grande comunicador.
Sabe afinar a sintonia com os
mais pobres, comover o povo. Sabe até como desarmar os opositores. Nunca se dá por vencido. E
tem preocupações sociais autênticas, desde os 19 anos.
Folha - Os programas sociais de
Chávez são bons?
Marcano - Dizem que tem muita
corrupção, movimentam milhões
de dólares, sem prestação de contas. Pode ser, não investiguei isso.
Mas, na minha opinião, os pobres
da Venezuela precisavam muito
disso. Quando não se tem nenhum médico perto de casa, ter
um médico cubano por perto é
muito importante. Principalmente em um país onde crianças morrem de diarréia. Há venda de alimentos subsidiados nas favelas.
Texto Anterior: Oriente Médio: Delegacia palestina é atacada pelo Hamas Próximo Texto: Trecho Índice
|