São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Embora histórica, Carta não resolve todos os problemas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Ao final de uma cúpula marcada pelo antagonismo entre o Reino Unido e a França, os chefes de Estado e de governo dos 25 países da União Européia conseguiram chegar a um acordo histórico sobre a Constituição do bloco. Contudo isso não significa que os problemas de peso que ainda afligem a UE tenham sido superados.
A adoção do texto constitucional era absolutamente necessária após o fiasco eleitoral do último final de semana, quando menos de 50% dos eleitores europeus se dignaram a ir às urnas para escolher seus representantes no Parlamento. Todavia essa obrigação moral acabou dificultando a busca pelo consenso em Bruxelas.
Afinal, enfraquecidos por derrotas eleitorais, os líderes da maioria dos Estados não puderam abrir mão de certas posições nacionais porque corriam o risco de ver a Carta rejeitada em voto popular posteriormente.
Assim, o Reino Unido manteve seu direito de veto em "áreas sensíveis", como a taxação e a proteção social, e a Polônia conseguiu abrandar o peso do fator populacional no sistema de votação. Inicialmente, Paris e Berlim queriam que a maioria no Conselho de Ministros fosse constituída por 50% dos países, representando 60% da população. No texto final, as porcentagens ficaram em 55% e 65%.
Porém mais importantes que as concessões ou o acordo final são as divisões explicitadas em Bruxelas e a ratificação da Constituição.
A diferença agora é que o Reino Unido, que sempre ficava em situação de inferioridade ante a determinação integradora franco-alemã, percebeu que pode fazer alianças pontuais para fortalecer suas posições. Como o panorama político do Leste Europeu é hoje bastante "eurocético", Londres teve facilidade para obter aliados.
Ademais, a ratificação do texto deverá passar pelo crivo popular em alguns países da UE, como o Reino Unido, a Irlanda, a Polônia e a Espanha. Em teoria, se apenas um país-membro rejeitar a Carta, ela não poderá entrar em vigor.
Outro aspecto vital é o peso da população. Considerando que a alusão ao cristianismo foi retirada do preâmbulo da Carta, a Turquia passou a ter sua candidatura a membro do bloco levada a sério.
Ora, se o crescimento vegetativo atual servir de base, a Turquia terá, em algumas décadas, a maior população da UE. Em tese, isso a tornará o Estado mais forte do bloco -algo ainda impensável.
Por outro lado, seria um erro não levar em conta o passo dado pelos europeus, pois o bloco passará a tomar inúmeras decisões por maioria qualificada -antes o consenso era necessário- e ao menos mais uma etapa espinhosa do aprofundamento da integração européia foi superada.


Texto Anterior: União européia: Europa adota sua primeira Constituição
Próximo Texto: África: Annan nomeia enviado especial da ONU ao Sudão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.