São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006

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análise

ONU não cumpre seu 1º mandamento

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Amarrada a um "sistema de potências" com interesses contraditórios (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança podem vetar qualquer resolução), a ONU não consegue cumprir o mandamento primeiro da sua criação, o de "preservar as gerações futuras do flagelo da guerra".
O próprio secretário-geral, Kofi Annan, chamou de ilegal a invasão do Iraque e nem por isso o país foi desocupado. As dificuldades em adotar dispositivos que controlem o programa nuclear iraniano envolvem o que a ONU considera a maior ameaça à humanidade, a proliferação das armas atômicas.
Essa ameaça continua. Israel já tem as suas, e os EUA, cuja doutrina do "ataque preventivo" ignora a Carta da ONU, liqüidam qualquer decisão que limite ações militares israelenses em seu "direito de se defender".
A ONU corre sérios riscos em sua tarefa de vigiar os movimentos nas mal traçadas fronteiras entre o Líbano e Israel, mas não exerce nenhum papel determinante quando as crises explodem. Não teve a menor repercussão a fala de Annan sobre o atual ciclo de violência e os perigos, não muito comentados, mas tidos como reais, de uma guerra regional no Oriente Médio. Foi logo sepultada a primeira tentativa de mobilizar o CS, e o assunto tornou-se, como de costume, privativo das potências em sua esfera de decisões. A Liga das Nações, precursora da ONU, com sua ilusão internacionalista, naufragou a partir da invasão da China no começo dos anos 30, do martírio abissínio imposto por Mussolini e da busca de Hitler por "espaços vitais".
Não tinha mais o que fazer na ante-sala da Segunda Guerra, quando imperavam interesses das potências e nacionalismos. Acabada a Segunda Guerra e diante do fato de que nacionalismos agressivos só tinham produzido desgraças, as potências vencedoras decidiram tornar realidade o que fora a ilusão internacionalista da Liga das Nações.
Mas um de seus secretários-gerais, Dag Hammarskjold, disse que um "sistema de potências" se instalara na entidade e trágicas experiências passadas poderiam se repetir. É o que o historiador George Barraclough chama de falso internacionalismo da Guerra Fria. A história da ONU tem episódios que comprovam tal falsidade e também o aviso de Hammarskjold de que o passado se fazia presente.
Os cinco membros permanentes do CS e peças de um novo "sistema de potências" (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia) nunca permitiram que a ONU se metesse em seus assuntos. Ela não se envolveu com o Vietnã, tampouco com as mãos pesadas russas na Europa central e no Afeganistão. Os chineses fizeram o que bem entenderam com o Tibete, e os franceses brutalizaram impunemente os argelinos em luta pela independência.
Guerras ou atos de guerras, como acontece agora no Oriente Médio, sem que a ONU tenha meios de cumprir o papel para o qual foi criada.


O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em assuntos internacionais

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