São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008

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análise

Fim do domínio britânico é lição a EUA no Iraque

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O governo Bush chegou a fixar um prazo, 31 de julho, para a assinatura de uma "aliança estratégica" do Iraque com os EUA. Ex-ministro iraquiano pós-invasão, Ali A. Allawi, considerado um xiita moderado, chamou atenção no "Independent", de Londres, para o desfecho da dominação inglesa.
O que hoje é Iraque resultou da junção, sob mandato da Inglaterra, de partes do império turco derrotado na Primeira Guerra (1914-18). Os ingleses procuraram montar uma transição que atendesse aos seus interesses em meio à erupção do petróleo no Oriente Médio.
De imediato "percebi que era o homem que eu buscava", escreveu Lawrence da Arábia em suas memórias. O oficial inglês que estivera em missão no Oriente Médio se referia ao príncipe Feissal, "aberto e maleável, eficiente e ambicioso". Poderia enquadrar a revolta árabe, contra Londres, tornando desnecessária a repressão, sobretudo a ferro e fogo.
O próprio Lawrence criticou a brutalidade contra tribos rebeladas. Na época ministro das Colônias, Winston Churchill aceitou os conselhos de Lawrence e instalou no Iraque, em 1921, uma monarquia. O obediente Feissal foi coroado com cobertura das armas inglesas.
É mais ou menos o que acontece no Iraque de hoje, onde um governo, embora saído de eleições, depende das tropas americanas para sobreviver. O livro "Saddam Hussein, An American Obsession", de Andrew Cockburn e Patrick Cockburn, revela bastidores aos que desconhecem as relações do Ocidente com o Iraque. Ou o que resultaria dos bombardeios ingleses e das ações de um Lawrence travestido de árabe em seu empenho por entronizar casas reais fiéis a Londres. "Flutuamos num mar de petróleo a caminho do triunfo", celebrou o então chanceler lorde Curzon.
Hoje Allawi fala de "paralelos perturbadores" entre o tratado que encerrou "formalmente" o mandato inglês e a "aliança estratégica" imaginada pelos EUA, sob forte e surpreendente resistência dos governantes iraquianos.
Do tratado se conhece as conseqüências. A monarquia foi derrubada por militares nacionalistas sem nada da alegria de lorde Curzon. O nazismo chegou a colocar os pés no Iraque, em meio a motins, distúrbios, golpes. O Iraque saiu do Pacto de Bagdá, montado pelo Ocidente em parceria com a ex-colônia e disposição de manter a Rússia fora do Oriente Médio. Mas a operação naufragou, os russos ganharam uma brecha e acabaram armando os egípcios.
Em 1963 a CIA ajudou o partido Baath a derrubar o general Abd al Karin, que tirou o petróleo das mãos de empresas americanas e européias. O Iraque se tornara campo de batalha e não o país dócil imaginado pelo Ocidente com seus bombardeios e espertezas de Lawrence. No Baath, cuja pretensão era representar o nacionalismo árabe e que mesmo assim tomou o poder com ajuda da CIA, já militava um jovem ambicioso chamado Saddam Hussein.

O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em assuntos internacionais



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