São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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China do futuro é "próspera e autoritária"

Para o sinólogo James Mann, crescimento econômico chinês ocorrerá ao lado da perpetuação do sistema político atual

EUA "toleram" regime de Pequim por razões de fundo econômico, diz especialista; poderio militar chinês ainda não ameaça americanos

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A China das próximas décadas será cada vez mais próspera e integrada ao mundo, mas continuará a ter um governo autoritário de partido único. O cenário é apresentado pelo sinólogo James Mann no livro "The China Fantasy -How Our Leaders Explain Away Chinese Repression", lançado nos Estados Unidos neste ano. Nele, Mann descarta as duas visões mais comuns sobre o futuro chinês: a de que o desenvolvimento econômico levará à democracia e a de que haverá desagregação política, decorrente de crescente insatisfação com o governo.
Autor-residente da Escola Paul H. Nitze de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, Mann apresenta o que chama de "terceiro cenário", que é o de uma China próspera, estável e autoritária. A seguir, trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone.

FOLHA - Muitas analistas acreditam que o desenvolvimento econômico na China levará a reformas políticas. Por que o sr. discorda?
JAMES MANN -
Na China, não há nenhum razão particular para acreditar que o movimento na direção da democracia é inevitável. Os exemplos que geralmente são dados como precedentes são os da Coréia do Sul e de Taiwan. O argumento é o de que, à medida que eles se tornaram mais prósperos, seus sistemas políticos foram liberalizados na direção da democracia. Mas a China é muito diferente, é muito maior e não é tão associada ao que eu chamo de cultura política do Sudeste Asiático. Além disso, tanto a Coréia do Sul quanto Taiwan se moveram na direção da democracia nos anos 80 sob forte pressão dos EUA, em um período em que ambos eram militarmente dependentes dos americanos, e a China não tem o mesmo tipo de relação com os EUA.

FOLHA - Há uma ilusão na crença de que China irá inevitavelmente se tornar uma democracia?
MANN -
Não há nada automático em relação a isso. Há muitas pessoas que gostariam de manter os atuais modelos econômico e político e acho que eles têm condições de fazer isso.

FOLHA - Esse é o cenário mais provável para a China?
MANN -
Não sabemos para onde a China irá. Acredito que é mais provável que a China não se torne democrática. Acho mais provável alguma forma de perpetuação do atual sistema ou outra forma autoritarismo.

FOLHA - Qual será o impacto para o mundo de uma China próspera, integrada economicamente aos outros países, mas com um regime não-democrático?
MANN -
Isso não é bom para os próprios chineses. Seria muito melhor haver um sistema no qual o 1,3 bilhão de chineses pudessem influenciar seu governo. Para o mundo, o cenário é um país grande, poderoso e disposto a apoiar outros governos autoritários ao redor do mundo. Nós vemos isso hoje no Zimbábue, Mianmar, Coréia do Norte e outros. A China provê apoio psicológico e financeiro a outros regimes autoritários.

FOLHA - Parece haver grande tolerância nos EUA em relação à falta de democracia na China. O interesse econômico é maior que o político?
MANN -
Sim. A principal razão pela qual há suporte ou aceitação do regime autoritário na China é porque o interesse econômico em apoiar o sistema atual é extremamente forte.

FOLHA - A China nunca esteve tão exposta ao mundo como hoje e há um fluxo crescente de informação no país, apesar da censura. Esse fluxo de informação não vai levar a pressões por mudança?
MANN -
Não. Eu concordo que o fluxo de informação é importante. As pessoas na China estão muito mais bem informadas sobre o mundo exterior do que no passado. Mas elas ainda não podem agir com base nessa informação. As pessoas são muito conscientes do restante do mundo, mas estão limitadas em sua habilidade de se organizar e agir com essa informação.

FOLHA - A questão é: os chineses querem fazer isso? Eles têm mais liberdade de locomoção, podem consumir e estão ficando ricos.
MANN -
Mas quem são "eles"? O país é mais próspero, mas isso afeta de maneira diferente pessoas de diferentes classes. Algumas pessoas ficaram muito ricas, outras não tão ricas e com mais tensão em suas vidas. E a idéia de que as pessoas na China não ligam para política não é verdadeira.

FOLHA - Qual deveria ser a posição dos EUA em relação à China?
MANN -
Os EUA devem começar a olhar a China como um regime autoritário estável e de longa duração. A idéia de que comércio e investimentos levariam a mudanças democráticas foi um produto do início dos anos 90 e hoje está superada, era parte do pós-Guerra Fria.

FOLHA - A China é vista cada vez mais como ameaça aos EUA, não?
MANN -
Há pessoas em Washington que vêem a China como uma ameaça militar. Quando fazem isso, eles falham ao não comparar o poder militar da China ao dos EUA. Os EUA gastam US$ 600 bilhões ao ano no seu poder militar e não acredito que a China esteja se tornando uma ameaça militar para os americanos.

FOLHA - Os atuais dirigentes têm intenção de mudar o sistema político?
MANN -
Não acredito que eles tenham qualquer intenção de levar o país na direção da democracia ou da liberalização política. Eles devem tentar reduzir a insatisfação com o sistema atual por meio de algumas mudanças menores e é possível ver isso na atual retórica.


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