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China do futuro é "próspera e autoritária"
Para o sinólogo James Mann, crescimento econômico chinês ocorrerá ao lado da perpetuação do sistema político atual
EUA "toleram" regime de Pequim por razões de fundo econômico, diz especialista; poderio militar chinês ainda não ameaça americanos
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A China das próximas décadas será cada vez mais próspera
e integrada ao mundo, mas
continuará a ter um governo
autoritário de partido único.
O cenário é apresentado pelo
sinólogo James Mann no livro
"The China Fantasy -How
Our Leaders Explain Away
Chinese Repression", lançado
nos Estados Unidos neste ano.
Nele, Mann descarta as duas
visões mais comuns sobre o futuro chinês: a de que o desenvolvimento econômico levará à
democracia e a de que haverá
desagregação política, decorrente de crescente insatisfação
com o governo.
Autor-residente da Escola
Paul H. Nitze de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins,
Mann apresenta o que chama
de "terceiro cenário", que é o de
uma China próspera, estável e
autoritária. A seguir, trechos da
entrevista, concedida à Folha
por telefone.
FOLHA - Muitas analistas acreditam que o desenvolvimento econômico na China levará a reformas políticas. Por que o sr. discorda?
JAMES MANN - Na China, não há
nenhum razão particular para
acreditar que o movimento na
direção da democracia é inevitável. Os exemplos que geralmente são dados como precedentes são os da Coréia do Sul e
de Taiwan. O argumento é o de
que, à medida que eles se tornaram mais prósperos, seus sistemas políticos foram liberalizados na direção da democracia.
Mas a China é muito diferente,
é muito maior e não é tão associada ao que eu chamo de cultura política do Sudeste Asiático.
Além disso, tanto a Coréia do
Sul quanto Taiwan se moveram
na direção da democracia nos
anos 80 sob forte pressão dos
EUA, em um período em que
ambos eram militarmente dependentes dos americanos, e a
China não tem o mesmo tipo de
relação com os EUA. FOLHA - Há
uma ilusão na crença de que China
irá inevitavelmente se tornar uma
democracia?
MANN - Não há nada automático em relação a isso. Há muitas
pessoas que gostariam de manter os atuais modelos econômico e político e acho que eles têm
condições de fazer isso.
FOLHA - Esse é o cenário mais provável para a China?
MANN - Não sabemos para onde a China irá. Acredito que é
mais provável que a China não
se torne democrática. Acho
mais provável alguma forma de
perpetuação do atual sistema
ou outra forma autoritarismo.
FOLHA - Qual será o impacto para o
mundo de uma China próspera, integrada economicamente aos outros países, mas com um regime
não-democrático?
MANN - Isso não é bom para os
próprios chineses. Seria muito
melhor haver um sistema no
qual o 1,3 bilhão de chineses
pudessem influenciar seu governo. Para o mundo, o cenário
é um país grande, poderoso e
disposto a apoiar outros governos autoritários ao redor do
mundo. Nós vemos isso hoje no
Zimbábue, Mianmar, Coréia do
Norte e outros. A China provê
apoio psicológico e financeiro a
outros regimes autoritários.
FOLHA - Parece haver grande tolerância nos EUA em relação à falta de
democracia na China. O interesse
econômico é maior que o político?
MANN - Sim. A principal razão
pela qual há suporte ou aceitação do regime autoritário na
China é porque o interesse econômico em apoiar o sistema
atual é extremamente forte.
FOLHA - A China nunca esteve tão
exposta ao mundo como hoje e há
um fluxo crescente de informação
no país, apesar da censura. Esse fluxo de informação não vai levar a
pressões por mudança?
MANN - Não. Eu concordo que
o fluxo de informação é importante. As pessoas na China estão muito mais bem informadas sobre o mundo exterior do
que no passado. Mas elas ainda
não podem agir com base nessa
informação. As pessoas são
muito conscientes do restante
do mundo, mas estão limitadas
em sua habilidade de se organizar e agir com essa informação.
FOLHA - A questão é: os chineses
querem fazer isso? Eles têm mais liberdade de locomoção, podem consumir e estão ficando ricos.
MANN - Mas quem são "eles"?
O país é mais próspero, mas isso afeta de maneira diferente
pessoas de diferentes classes.
Algumas pessoas ficaram muito ricas, outras não tão ricas e
com mais tensão em suas vidas.
E a idéia de que as pessoas na
China não ligam para política
não é verdadeira.
FOLHA - Qual deveria ser a posição
dos EUA em relação à China?
MANN - Os EUA devem começar a olhar a China como um regime autoritário estável e de
longa duração. A idéia de que
comércio e investimentos levariam a mudanças democráticas
foi um produto do início dos
anos 90 e hoje está superada,
era parte do pós-Guerra Fria.
FOLHA - A China é vista cada vez
mais como ameaça aos EUA, não?
MANN - Há pessoas em Washington que vêem a China como uma ameaça militar. Quando fazem isso, eles falham ao
não comparar o poder militar
da China ao dos EUA. Os EUA
gastam US$ 600 bilhões ao ano
no seu poder militar e não acredito que a China esteja se tornando uma ameaça militar para os americanos.
FOLHA - Os atuais dirigentes têm intenção de mudar o sistema político?
MANN - Não acredito que eles
tenham qualquer intenção de
levar o país na direção da democracia ou da liberalização
política. Eles devem tentar reduzir a insatisfação com o sistema atual por meio de algumas
mudanças menores e é possível
ver isso na atual retórica.
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