São Paulo, quarta, 19 de agosto de 1998

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Discurso cuidadoso mede as palvras

de Washington

No discurso mais dramático de sua vida, Bill Clinton foi, como sempre, extremamente cuidadoso com as palavras, usando-as nos seus limites semânticos para distorcer ou ocultar a verdade, sem reconhecer que mentiu.
Por exemplo, ele admitiu ter "enganado pessoas" e "dado falsa impressão", mas nunca conjugou o verbo "mentir". Ele disse que sua relação com Monica Lewinsky foi "não apropriada" e "errada", mas em nenhum momento afirmou ter sido sexual.
Clinton não pediu desculpas a ninguém: ao público, à mulher, à filha, a Lewinsky ou a Deus, apesar de expressar "arrependimento".
Embora tenha afirmado ser "totalmente responsável" por sua "falha pessoal", o presidente não disse o que pretende fazer para tal responsabilidade se materializar.
Dos quatro minutos do discurso, só um foi usado na autocrítica que o país esperava que fosse ampla. Os outros três se consumiram em atribuir a culpa pela crise político-moral que engolfa os EUA a seu arquiinimigo Kenneth Starr e em clamar para si direitos de privacidade.
Por isso, o "mea-culpa" soou evasivo como Clinton sempre soa quando decide rodear a verdade. Foi assim quando explicou que havia experimentado maconha sem tragar (o que, tecnicamente, significa que ele não fumou e, por isso, não cometeu crime quando fumar maconha era proibido).
Foi assim quando explicou que, embora tenha feito sexo uma vez com Gennifer Flowers, não havia mentido ao negar as afirmações dela porque ela dissera que tinham feito sexo "diversas vezes".
O discurso de anteontem foi todo um grande espetáculo. A escolha da Sala dos Mapas da Casa Branca em vez do Salão Oval foi perfeita. Tornou a cena menos oficial e distanciou-a do "local do crime". A ausência de Hillary foi providencial: seria humilhante demais para ela assistir ou participar da confissão pública do marido.
O terno azul, o tom contrito, o leve falseio da voz no momento de maior emoção, tudo foi medido nos padrões do melhor melodrama televisivo. Funcionou a curto prazo. Funcionará a longo prazo?



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