São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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COMENTÁRIO
Brasil deve ajudar "parto" de Timor

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

A mídia internacional tem fascínio, compreensível, por guerras. Conflitos bélicos têm elementos de drama que atraem o interesse do público. Tratados como uma espécie de ficção real, costumam ser pratos cheios para jornalistas.
Felizmente, esse é um espetáculo raramente disponível para os meios de comunicação brasileiros. Mas a possibilidade de tropas do país participarem da ação em Timor Leste excitou a imaginação adormecida de muitos por aqui.
Com isso, tem sido dado pouco destaque a um aspecto relevante da tragédia de Timor Leste, que um de seus observadores, o deputado João Hermann Neto (PPS-SP), tem chamado de "o nascimento de uma nação".
Muito menos atraente do que cenas de batalha, mas muito mais significativo social e politicamente, é o processo que teve início com o plebiscito de 30 de agosto.
Quando o Parlamento indonésio aprovar, como se antecipa, a desanexação de Timor Leste, o país passará ao status de território não autônomo sob a administração da Organização das Nações Unidas. Nessa condição, montará seu arcabouço nacional.
Se podem ser encontradas boas justificativas para a participação numericamente pequena do Brasil nas forças que vão impor a paz em Timor Leste, nada explicará a contento sua omissão ou presença inexpressiva na próxima fase.
Timor Leste precisa do Brasil e conta com ele, como Angola, Moçambique e Cabo Verde. A comunidade dos países de língua portuguesa é um fórum em que a liderança do Brasil é natural e precisa ser exercida.
Além disso, é do maior interesse estratégico para o país aumentar seu intercâmbio com a Ásia e a Oceania, onde há mercados da maior expressividade, como China, Japão, Austrália, além da própria Indonésia.
Ajudar no parto da nação timorense é um dever dos brasileiros por causa de nossa origem cultural comum. Mas também é do interesse econômico e geopolítico do país.
Há outro processo em curso, naquele outro lado do mundo, em que os laços linguísticos podem ajudar o Brasil a aumentar sua ação na Ásia: o retorno de Macau à administração chinesa, em dezembro próximo.
Em Macau, o Brasil poderá estar presente, como "parceiro estratégico" da China (conforme expressão concebida pelos próprios chineses), para ajudar a suavizar o processo de reintegração à China.
Razões humanitárias são argumento suficiente para o Brasil se engajar na formação do mais novo país do mundo, Timor Leste.
Mas, além delas, os interesses materiais do Brasil justificam essa intervenção pacífica do país.
Passada a curiosidade natural que as atividades dos soldados brasileiros vão provocar na mídia, é de se esperar que ela passe a se concentrar nos problemas sociais e econômicos da nação que surge.


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