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EUROPA
Maurice Papon, 92, o mais célebre criminoso de guerra francês, foi solto por legislação que impede prisão de idosos
França solta Papon, ex-colaborador nazista
JOHN LICHFIELD
DO ""THE INDEPENDENT", EM PARIS
Durante sua longa carreira como funcionário do Estado francês, Maurice Papon sempre foi meticuloso -até mesmo entusiástico- na aplicação que fez do
texto das leis.
Quer estivesse redigindo orçamentos para Valéry Giscard d'Estaing, nos anos 1970, ou arrebanhando judeus para o regime de
Vichy e os nazistas, na década de
1940, Papon serviu com dedicação e zelo a seus senhores, independentemente de quem fossem.
Ontem, uma lei francesa aprovada há seis meses veio resgatar
Papon, 92, depois de ele ter cumprido apenas três anos de uma pena de dez à qual foi condenado
por ""cumplicidade em crimes
contra a humanidade" por colaborar com os nazistas na Segunda
Guerra. O mais célebre criminoso
de guerra francês ainda vivo foi libertado de sua cela na penitenciária de La Santé, em Paris, por motivos de saúde, e autorizado a retornar para sua residência no
campo.
Seus advogados disseram que a
saúde de Papon é incompatível
com a vida na prisão. Sob os termos de uma nova lei sobre a proteção dos idosos, o tribunal de
apelações de Paris decidiu que
não tinha outra opção senão ordenar a libertação de Papon.
Em questão de horas, Papon
deixou a prisão -aos gritos de
""assassino!" dos transeuntes- e
foi levado de carro, por um de
seus advogados, até sua residência em Gretz-Armainvilliers, a 64
km da capital.
A decisão dos juízes de apelação
foi inesperada, embora os termos
da nova lei sejam muito claros, só
permitindo exceções se um preso
idoso e doente constituir ""grave
risco à ordem pública".
Os grupos de direitos humanos
e associações de familiares das vítimas do Holocausto ficaram chocados com a decisão da corte.
A libertação de Papon não representa uma nova disposição da
França de perdoar ou apagar a
memória do tratamento dado aos
judeus pelo regime de Vichy. Liderada por Jacques Chirac, a
França avançou muito, nos últimos anos, no sentido de reconhecer e procurar expiar a perseguição aos judeus movida pelo Estado francês colaboracionista entre
1940 e 1944.
Houve a conspiração do silêncio que se manteve durante os
anos 1950 e 1960, aprovada pelo
próprio general Charles de Gaulle, que permitiu que dezenas de
altos funcionários do regime de
Vichy sobrevivessem e prosperassem na administração francesa do
pós-guerra.
Maurice Papon -que, em
1943-44, quando pressentiu o rumo que a guerra estava tomando,
transferiu sua lealdade para a resistência contra a ocupação nazista- foi um beneficiário típico
dessa política. Em consequência
disso, Papon, após a guerra, chegou a tornar-se chefe da polícia de
Paris e, mais tarde, ministro das
Finanças no governo de Giscard
d'Estaing, entre 1978 e 1981.
O segundo grande escândalo foi
a corrida de obstáculos políticos e
judiciais erguida para ajudar Papon depois que suas atividades
durante a guerra foram descobertas. Foram necessários 17 anos para levar Papon a julgamento, devido a uma ação de retaguarda movida em seu favor.
Seu julgamento, que se arrastou
por seis meses em 1997 e 1998 -o
mais demorado julgamento do
pós-guerra na França-, foi uma
agonia. Perto do final, Papon,
uma figura alta e aristocrática, fez
um pedido de desculpas bastante
frio, mas, durante quase o julgamento todo, manteve-se firme em
sua linha de defesa.
Disse que não tivera outra escolha senão cumprir as ordens do
governo de Vichy, que fizera o
possível para salvar o maior número possível de judeus e que não
tivera idéia, na época, de que os
trens carregados de pessoas detidas, que rumavam inicialmente
para o norte da França, tinham
como destino último os campos
de extermínio.
O tribunal aceitou sua defesa
em relação a esse último ponto, de
modo que Papon foi considerado
inocente da acusação de assassinato. Mas foi julgado culpado de
""cumplicidade em crimes contra
a humanidade".
As provas documentais indicavam que Papon, na época o subprefeito da região de Bordeaux, fez pouco para ajudar os judeus. Os parentes de suas vítimas rezavam para que ele sobrevivesse para cumprir sua pena na íntegra.
Tradução de Clara Allain
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