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São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2003

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ARTIGO

Nossa guerra com a França


Ter a França a nosso lado no Iraque seria benéfico para ambos os países e para o futuro árabe. É uma pena que Paris tenha outras prioridades


THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Já é hora de nós, americanos, aceitarmos uma verdade: a França não é apenas nossa aliada irritante, não é apenas nossa rival ciumenta. A França está se transformando em nossa inimiga.
Se somarmos a maneira como a França se comportou no período que antecedeu a Guerra do Iraque a seu comportamento durante o conflito e, ainda, se observarmos seu comportamento atual (exigindo alguma espécie de insensata transferência simbólica de poder para alguma espécie de governo provisório iraquiano montado às pressas, enquanto o restante da transição democrática do Iraque seria supervisionada mais por uma ONU dividida que pelos EUA), só poderemos chegar a uma conclusão: que a França quer que os EUA fracassem no Iraque.
A França quer que os EUA afundem num atoleiro no Iraque, na esperança maluca de que uma América enfraquecida possa abrir caminho para a França assumir seu lugar "de direito" -igual ao dos EUA. Ou até "superior" no que diz respeito a moldar os destinos do mundo.
Sim, a arrogância da equipe de Bush intensificou a hostilidade francesa. Se o presidente Bush e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, não tivessem agido de maneira tão ostentatória logo após a vitória militar americana no Iraque -e, em vez disso, tivessem aproveitado aquele momento, quando a França sentia que talvez devesse ter participado do esforço, para fazer um gesto magnânimo, convidando Paris a fazer parte da reconstrução-, a atitude da França talvez tivesse se abrandado. Mas duvido até disso.
Mas não sinto dúvida nenhuma em relação a uma coisa: não existe autoridade iraquiana legítima e coerente que seja capaz de assumir o poder a curto prazo, e tentar forçar o surgimento de uma autoridade desse tipo poderia provocar um conflito interno perigoso e atrasar a construção das instituições democráticas no Iraque. Os iraquianos sabem disso. A França sabe disso, razão por que sua proposta original só pode ter sido feita de má-fé.
O que me parece tão espantoso na campanha francesa é que o país parece não ter pensado como um fracasso americano o afetaria. Se os EUA forem derrotados por uma coalizão formada por partidários de Saddam e por extremistas, os grupos muçulmanos radicais serão dinamizados, e as forças da modernidade e da tolerância das comunidades muçulmanas serão marginalizadas. Não faz sentido crer que a França, com sua grande minoria muçulmana, não seja capaz de ver sua própria sociedade afetada por tudo isso.
Se fosse séria, a França usaria sua influência na União Européia para obter um grupo de 25 mil soldados europeus e um pacote de reconstrução de US$ 5 bilhões e diria à equipe de Bush: "Podemos ajudar a reconstruir o Iraque, mas queremos um lugar real na administração do país". Em vez disso, Paris montou uma proposta mal concebida -só para mostrar que pode ser diferente- e não assumiu nenhum compromisso de fazer uma contribuição significativa, mesmo que os EUA concordem com sua proposta.
Mas a França nunca esteve interessada em promover a democracia no mundo árabe moderno, razão pela qual sua pose de nova protetora do governo representativo iraquiano -após se mostrar tão satisfeita com o regime de Saddam- é puro cinismo.
Está claro que nem todos os países da UE se sentem à vontade com as intrigas francesas, mas muitos deles estão se deixando levar por elas. Acho espantoso que a UE, enganada pela França, não participe do projeto de desenvolvimento político mais importante da história moderna do Oriente Médio. A direção do mundo árabe-muçulmano, que fica bem perto da Europa, será afetada pelo que ocorrer no Iraque. Seria como se os EUA dissessem que não se importam com o que acontece no México porque estão furiosos com a Espanha.
De acordo com John Chipman, diretor do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, sediado em Londres, "o que os europeus estão dizendo sobre o Iraque é que se trata de nosso quintal, não vamos deixar que vocês interfiram nele, porém também não vamos cuidar dele nós mesmos".
Mas o mais triste é que a França tem razão -o esforço americano no Iraque não terá a mesma eficácia sem a ajuda francesa que teria com ela. Ter a França a nosso lado no Iraque seria altamente benéfico para ambos os países e para o futuro árabe. É uma pena que o governo francês atual tenha outras prioridades.

Tradução de Clara Allain


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