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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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Toledo vê elo entre exclusão e etnia

PAULO PARANAGUÁ
DO "LE MONDE"

Dentro da dívida social, existe uma correlação clara entre exclusão e identidade étnica. As populações andinas, indígenas, afro-peruanas e da Amazônia são as mais marginalizadas, e, se o terrorismo surgiu entre elas, não foi por acaso. Incluir os marginalizados não significa excluir os outros, mas favorecer uma melhor distribuição das oportunidades.
A análise é do presidente do Peru, Alejandro Toledo, que é de origem indígena. Ele defende sua gestão, afirmando que não teve "período de graça" ao assumir um país vindo de três anos de recessão. Eis sua entrevista.
 
Pergunta - Ante o que está acontecendo na Bolívia, o sr. pensa que também há uma dívida étnica?
Alejandro Toledo -
Eu diria, antes, que, dentro da dívida social, existe uma correlação clara entre exclusão e identidade étnica. As populações andinas, indígenas, afro-peruanas e da Amazônia são as mais marginalizadas, e, se o terrorismo surgiu entre elas, não foi por acaso. Incluir os marginalizados não significa excluir os outros, mas favorecer uma melhor distribuição das oportunidades.
Não é questão de revanche. É preciso, também, respeitar nossa diversidade cultural. Eu venho desse meio -escapei da exclusão por um erro estatístico- e não esqueço minhas raízes. Minha responsabilidade é de libertar meu povo por meio do acesso a uma educação e a uma saúde pública de qualidade. Adoto uma política de "discriminação positiva", e não peço desculpas por isso. Invisto mais nos que têm menos.

Pergunta - Os indicadores econômicos do Peru são superiores à média da região. Por que sua popularidade vem caindo?
Toledo -
Sou agricultor. É preciso semear para poder colher, e o fruto não nasce de um dia para outro. Herdei instituições decadentes, um país que vinha de três anos de recessão, em que as expectativas sociais eram altas, justificadas em vista da retomada democrática, antes sufocada pela ditadura. [O ex-presidente Alberto] Fujimori tinha índice de aprovação de 74%, mas saiu pela porta dos fundos, enviou seu pedido de renúncia por fax e se refugiou no Japão. Isso abala a confiança e a auto-estima da população.
Os peruanos não acreditam em mais nada. Eles dizem: ""Você nos deu a democracia -agora nos dê trabalho, já". Não tive período de graça. Agora, após dois anos de crescimento econômico, o desafio consiste em fazer com que os benefícios se traduzam em empregos e receitas. Saúde e educação são investimentos de médio e longo prazos. Não penso nas próximas eleições -não serei candidato-, mas nas próximas gerações.

Pergunta - O populismo é uma tentação na América Latina?
Toledo -
Sim, pois as pressões sociais são muito fortes. Enquanto Wall Street exige disciplina fiscal, controle da inflação ou privatizações, a população se faz ouvir por meio das panelas. Se não houver uma convergência entre Wall Street e ""Main Street" -as aspirações da maioria da população-, teremos um problema sério de governança na América Latina. É preciso não cair na tentação do populismo, mas também é preciso evitar ser um dogmático de Wall Street, incapaz de ouvir a voz das ruas.
Precisamos investir no social. Os países industrializados devem participar desse investimento, conforme propusemos na cúpula do Grupo do Rio, em Cuzco. Sugerimos ao G-8 e aos organismos internacionais uma nova arquitetura financeira, para liberar recursos para a educação, a saúde ou a infra-estrutura. Já apertamos o cinto e colocamos ordem na economia. A América Latina não vai esperar mais 15 anos para que o crescimento traga mais emprego, a conta-gotas. A governança democrática tem um preço.
Num mundo interdependente, os países industrializados podem contribuir para ela, construindo uma rodovia comercial de mão dupla, mais simétrica, na qual não venham nos pedir que não apliquemos em nós mesmos.


Tradução de Clara Allain

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