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ANÁLISE
Tenso, mundo aguarda o voto americano
PHILIP STEPHENS
DO "FINANCIAL TIMES"
Os debates terminaram, e agora
o mundo aguarda, em suspense,
enquanto a campanha presidencial americana entra em sua etapa
final. As placas tectônicas geopolíticas ficarão em seus lugares até
que cada voto tenha sido contado
em Ohio e na Flórida. O britânico
Tony Blair praticamente o disse,
outro dia, quando prometeu priorizar a paz no Oriente Médio -"a
partir de 2 de novembro".
Até então, as linhas diplomáticas que ligam Washington a capitais de Pequim a Bruxelas estarão
ocupadas com especulações sobre
o que devemos prever -um simples tremor de terra ou um terremoto. Duas semanas atrás, George W. Bush parecia estar quase
certo de conseguir um segundo
mandato presidencial. Agora os
aliados e inimigos dos EUA estão
ocupados analisando cuidadosamente cada linha dos pronunciamentos de John Kerry com relação à política pública americana.
Desde a Índia até a Indonésia, os
líderes asiáticos vêem com preocupação a promessa feita por
Kerry de pôr fim à exportação de
empregos americanos. Muitos
dos mesmos governos temem que
a guerra implacável de Bush contra o terror leve à radicalização
ainda mais profunda de suas populações muçulmanas. Em Moscou, os assessores de Putin se perguntam com que firmeza o presidente Kerry se oporia à erosão
progressiva da democracia russa.
Na Cisjordânia e na faixa de Gaza,
os líderes palestinos se desesperam com a fidelidade constante
de Bush ao premiê israelense,
Ariel Sharon, mas, ao mesmo
tempo, questionam até que ponto
Kerry fala a sério quando discute
o reinício da negociação de paz.
Em nenhum lugar o clima de
expectativa ansiosa é mais agudo
do que entre os aliados dos EUA
na Europa. A aliança transatlântica do pós-guerra foi rompida. A
substituição da ameaça soviética
pelo terrorismo islâmico significa
que a Europa deixou de ser o centro do interesse geopolítico dos
EUA -e os EUA deixaram de ser
os avalistas fundamentais da segurança européia. Sem a dependência mútua resultante da Guerra Fria, a aliança só vai conseguir
funcionar, de agora em diante, se
ambos os lados estiverem dispostos a trabalhar para isso. O Iraque
parece indicar que não estão.
Em sua campanha, Bush vem se
atendo aos temas principais de
seu primeiro mandato: a política
externa, o uso declarado do poderio militar americano, a difusão
de "liberdade e democracia" e o
desprezo constante pela França e
por tudo o que é francês. Na visão
de Bush, a promoção dos interesses americanos, por definição benignos, se legitima por si só.
Os otimistas na Europa dizem
que Bush deve mudar se conseguir um segundo mandato. A força das circunstâncias já o obrigou
a pedir a ajuda da ONU. Os EUA
estão atolados no Iraque. Apesar
do discurso beligerante de assessores do presidente, faltam soldados e disposição à América para
outra guerra. De qualquer maneira, o presidente é mais multilateralista do que deixa transparecer.
Os verdadeiros vilões são Richard
Cheney e Donald Rumsfeld.
Os realistas respondem que
Bush, se for reeleito, enxergará
sua reeleição como confirmação
do acerto de sua política externa.
Ao final do terceiro e último debate, Bush chegou o mais perto possível de dizer que Deus está de seu
lado. Acrescente-se a isso a ratificação do eleitorado americano
-e por que ele deveria mudar?
Kerry, é claro, também defende
o direito dos EUA de agir por conta própria quando o faz em autodefesa. Lendo seus discursos de
campanha, os europeus poderiam ser perdoados por imaginar
que a mudança que ele propõe seria de estilo, tanto quanto de conteúdo. O mais conhecido porta-voz do candidato democrata para
a área da política externa, Richard
Holbrooke, que também é nome
possível para futuramente tornar-se secretário de Estado, é conhecido na Europa desde os tempos em
que foi assessor de Bill Clinton.
Controlado e crítico, Holbrooke
não é por natureza conciliador.
Os céticos também se perguntam o que Kerry estaria disposto a
conceder, em troca do apoio que
ele espera para conseguir arrancar os EUA do atoleiro iraquiano.
Outro dia ouvi um diplomata europeu de alto escalão comentar
que uma voz à mesa é uma coisa,
mas o importante é se Washington dará ou não ouvidos a ela.
Tradução de Clara Allain
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