São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 2005

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Tribunal especial foi criado por administrador dos EUA no Iraque

PATRICE CLAUDE
DO "LE MONDE"

O Tribunal Especial Iraquiano (TSI) que deve começar a julgar Saddam Hussein hoje, foi criado por decreto de 10 de dezembro de 2003 do então administrador americano no Iraque, Paul Bremer. O iraquiano escolhido na época para pôr o TSI em movimento, escolher seus funcionários, oficiais de justiça, juízes e magistrados -tudo pago pelos EUA- foi Salem Chalabi.
É sobrinho de Ahmed Chalabi, político condenado à revelia na Jordânia a 18 anos de prisão por falência fraudulenta, hoje vice-primeiro-ministro do Iraque. Salem, que é advogado comercial, está foragido, depois de ter sido emitido um mandado de prisão contra ele por suposto homicídio.
O local do TSI, para onde um número desconhecido de "observadores internacionais", além de 25 jornalistas escolhidos a dedo, seriam levados para assistir à primeira audiência, foi mantido em segredo até o último momento.
De acordo com um porta-voz americano, "por conta dos imperativos de segurança", o tribunal se reuniria numa sala na chamada "zona verde" fortificada no centro de Bagdá ou então no campo militar americano situado no aeroporto internacional, onde Saddam Hussein está detido desde sua captura, no dia 13 de dezembro de 2003. A identidade dos cinco juízes seria mantida em segredo, também "por segurança".
O mesmo aconteceria com os 40 magistrados encarregados de reunir as provas dos "crimes contra a humanidade" dos quais Saddam é acusado, e alguns agentes foram treinados pelo FBI.
Para o professor egípcio-americano de direito internacional Cherif Bassiouni, um dos responsáveis pela criação do Tribunal Penal Internacional, a confidencialidade foi necessária "para que a influência americana sobre o processo não fosse demasiado visível". Convidado a participar da criação do TSI, Bassiouni se afastou dessa "confusão totalmente incompreensível", conforme disse em um documentário recente de Jean-Pierre Krief.
Raid Juhi, 36, o juiz que presidiu as audiências televisadas a que Saddam compareceu, foi rebaixado posteriormente para o cargo de porta-voz do TSI por intervenção de Ahmed Chalabi, que controla a comissão de "desbaatificação" criada pelos EUA. Juhi foi o juiz que assinou o mandado de prisão contra Salem Chalabi.
Podendo ser julgado por uma dúzia de acusações, como o massacre de milhares de curdos nos anos 80 e de milhares de xiitas na década de 90, no primeiro processo Saddam deverá responder por apenas um crime: a execução de 143 civis xiitas em Dujail, a 60 quilômetros ao norte de Bagdá, em 1982. Esse caso se seguiu a um atentado contra Saddam, cujo comboio de veículos foi metralhado quando atravessava a cidade. No dia seguinte, membros da Guarda Republicana invadiram Dujail, e mais de 600 pessoas foram presas e torturadas.
As testemunhas da acusação "poderão ficar anônimas ante o público", disse o juiz Juhi. Elas deporão por trás de um vidro opaco. Isso se o advogado de Saddam não puder adiar o julgamento.


Tradução de Clara Allain

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