São Paulo, sábado, 19 de novembro de 2005

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GUERRA SEM LIMITES

Condições impostas pelo governo dos Estados Unidos impedem vistoria independente, diz a entidade

ONU desiste de inspecionar Guantánamo

Jane Mingay/Associated Press
Moazzam Begg, que foi prisioneiro em Bagram, no Afeganistão, e Guantánamo, em Cuba, chora durante entrevista em Londres


FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

A Comissão de Direitos Humanos da ONU anunciou ontem ter desistido de inspecionar o campo de prisioneiros da base militar americana de Guantánamo, em Cuba, depois que os Estados Unidos colocaram seguidos entraves a uma vistoria independente.
Prevista para 6 de dezembro, a ida de inspetores a Guantánamo, onde há cerca de 500 presos acusados pelos EUA de terrorismo, foi abortada ante a falta de resposta dos americanos a um ultimato da ONU que expirou ontem.
Desde 2002, quando a base naval virou campo de prisioneiros supostamente ligados à Al Qaeda e ao Taleban, entidades de defesa dos direitos humanos e ex-detentos denunciam casos de tortura e maus-tratos em Guantánamo.
"A posição dos Estados Unidos é decepcionante, porque afronta a aplicação das leis universais de inspeção das Nações Unidas, sem as quais seria impossível garantir um trabalho justo e isento", afirmou o relator especial da ONU Paul Hunt, que participou em Londres de uma entrevista coletiva organizada pela Anistia Internacional e pela ONG Reprieve.
Os EUA alegam que o acesso pessoal aos presos é restrito à Cruz Vermelha e que seriam permitidas aos inspetores licenças semelhante às dadas a congressistas americanos.
Pleitos para que grupos independentes vistoriassem o local começaram já em 2002, mas as negociações da ONU com o governo americano só se tornaram oficiais em junho de 2004, quando um grupo de entidades liderado pelas Nações Unidas enviou a primeira carta solicitando permissão. Seguiram-se outras, mais tarde acrescidas de reuniões com representantes dos departamentos de Estado e da Defesa dos EUA.
Os americanos aceitaram com restrições a inspeção, limitando a visita a um dia, em vez dos três dias solicitados, e a apenas três inspetores, e não cinco, como queria a ONU. Mas não responderam ao ponto crucial: o que poderia ser feito pelos fiscais. Isso está descrito num documento de nome empolado elaborado pela comissão, "Termos de Referência de Missões de Verificação sob Procedimentos Especiais".
Entre as condições estavam as de que a missão precisaria ter acesso irrestrito aos presos, incluindo a possibilidade de entrevistas reservadas, o que foi detalhado em carta enviada ao governo americano em 31 de outubro. Como até a última terça não houvera resposta, a comissão enviou nova correspondência, estipulando um prazo até a zero hora de ontem para que fosse dada uma posição, do contrário desistiria.
"É particularmente desapontador que que o governo dos EUA, que tem firmemente declarado os seus compromissos com os princípios de independência e objetividade dos mecanismos de verificação, não esteja pronto para aceitar os termos da inspeção", diz comunicado dos inspetores.
"Isso não quer dizer que não continuemos dispostos a ir a Guantánamo num futuro próximo, desde que os americanos garantam plena cooperação", esclareceu Manfred Nowak, outro que deveria viajar à base naval.
Mesmo sem a visita de inspeção, a comissão da ONU deve finalizar até dezembro um relatório sobre a situação dos presos em Guantánamo, que deve ser apresentado em março à alta comissária da entidade para direitos humanos, Louise Arbour.
Durante o final de semana, a Anistia Internacional fará uma mobilização em Londres contra a tortura, com a presença de alguns ex-detentos de Guantánamo. Um dos atos é um protesto amanhã à tarde em Downing Street, onde fica a residência oficial do primeiro-ministro Tony Blair.

Campos na Europa
A Anistia também disse ter indícios suficientes para crer na informação, publicada nesta semana pelo "Washington Post", de que a CIA (agência de inteligência dos EUA) mantém prisões secretas na Europa para deter exclusivamente suspeitos de terrorismo.


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