São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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ONGs entram na mira de Lima e Caracas

Projetos de lei em discussão nos Congressos ampliam controles estatais sobre a atuação e o financiamento dessas organizações

Para entidades, iniciativas são totalitárias e facilitam ingerência política; para governos, setor precisa ser regulado e prestar contas

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

Peru e Venezuela estão discutindo dois projetos de leis que aumentam o controle estatal sobre as atividades das ONGs, em iniciativas qualificadas por esses grupos e pela imprensa local de totalitárias e intervencionistas, mas defendidas pelos governos como uma forma de regulação do setor.
As propostas criam mecanismos para o controle não apenas das verbas que as ONGs recebem do Estado, mas também as de cooperação internacional -ou seja, financiamento de governos estrangeiros, agências de desenvolvimento e doadores privados estrangeiros. O temor das organizações é que esse controle seja exercido com base em critérios políticos.
No Peru, o projeto de lei já passou por duas votações pelo Congresso, que é unicameral. Nesta semana, destaques ao texto devem ser votados e, caso aprovados, o projeto vai à sanção do presidente Alan García.
A proposta determina que o recebimento de qualquer tipo de financiamento fique condicionado ao registro da ONG na Agência Peruana de Cooperação Internacional (APCI) -um órgão governamental cujo conselho diretivo inclui ministros de Estado e representantes de governos regionais e locais.
Outro ponto polêmico é que o projeto prevê a necessidade de "harmonizar" as atividades das ONGs, sejam elas financiadas pelo Estado ou privadamente, "em função da política nacional de desenvolvimento e o interesse público".
"Isso dá muito poder à administração pública", disse Ernesto Aguinaga, advogado da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos peruana. "Se o governo determina, por exemplo, que é prioritário para o desenvolvimento da nação promover a exploração da mineração, pode dizer que não é harmônico com essa necessidade que uma ONG receba fundos para promover o desenvolvimento ambiental nas zonas mineiras."
Pela lei, podem ser punidas ONGs que façam "uso indevido" dos recursos transferidos por doadores internacionais ou que "alterem a ordem pública ou prejudiquem a propriedade pública ou privada".
"A existência de normas tão vagas é um convite claro à manipulação política e ao abuso", escreveu o diretor-executivo da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, em carta enviada ao presidente García.
Questionado pela Folha quando esteve no Brasil há uma semana, García defendeu que as ONGs prestem contas.
"Há ONGs ou associações que pedem que o Estado lhes isente de impostos. O Estado tem de verificar que uso elas fazem desse dinheiro porque estão sendo perdoadas dos impostos que pagam todos os peruanos. Há outras que não pedem para serem exoneradas de impostos e, segundo meu conceito, têm absoluta liberdade de expressão, participação e associação. Mas dentro da lei", disse o presidente.
"Se você recebe dinheiro do exterior, temos de saber de quem é. Não para participar de suas atividades. Se é lavagem de dinheiro, se é de um país que não quer que exploremos o ouro e o cobre, temos de saber", acrescentou.

Fundo
Na Venezuela, a votação do projeto acabou parando na Assembléia Nacional em meio à campanha para as eleições presidenciais -em 3 de dezembro, o presidente Hugo Chávez tenta a reeleição.
A medida vai mais longe na questão do financiamento ao criar um fundo manejado pelo Executivo e que vai se encarregar de receber todos os recursos, inclusive os de fontes internacionais, e então decidir a que entidades repassar e quanto.
Como no caso peruano, esse projeto prevê que as atividades das ONGs sejam "harmonizadas" com os "planos nacionais" de desenvolvimento.
Ele dispõe também a obrigatoriedade de registro, com a diferença de que, além das ONGs, também terão de se inscrever sindicatos, universidades e empresas que estejam envolvidas em atividades de cooperação internacional, para que sejam reconhecidos pelo Estado.
"Isso rompe com tratados e convênios internacionais firmados pela Venezuela que dizem que ONGs e sindicatos não precisam do aval do Poder Executivo para ter personalidade jurídica", disse Yohan Manuel Perez, advogado da Súmate, um dos principais grupos opositores a Chávez, que recebeu financiamento do governo americano -segundo o presidente, para desestabilizar seu governo. "Isso se soma ao ambiente político de discriminação no país entre aqueles que apóiam ou não o governo, criando um temor à participação cidadã livre."


Colaborou FABIANO MAISONNAVE , da Reportagem Local

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