São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 2009

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Chávez já controla 26,5% do setor bancário

Nas últimas semanas, Caracas expropriou 7 pequenos bancos em meio a escândalo de corrupção envolvendo ex-aliados de presidente

Analistas, entretanto, não creem em nacionalização total do setor, a despeito das ameaças retóricas do mandatário venezuelano

Daniel Caballero/Presidência da Bolívia/Reuters
CHEIRO DE ENXOFRE
Hugo Chávez (em 1º plano) e o boliviano Evo Morales em Copenhague, onde participaram da cúpula do clima; repetindo crítica de 2006 feita a George W. Bush, Chávez disse ontem após discurso de Barack Obama que "ainda sente cheiro de enxofre no mundo"


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

O governo venezuelano confirmou ontem que abrirá na segunda-feira o Banco Bicentenário, ampliando a presença estatal no setor financeiro. Desta vez, porém, o avanço sobre o setor privado foi motivado principalmente por um escândalo inédito de corrupção, que provocou uma pequena crise bancária e envolveu colaboradores próximos de Hugo Chávez.
Nas últimas semanas, Caracas interveio em sete pequenos bancos que, juntos, somam 7,7% do total de depósitos do sistema financeiro. Todos são acusados, entre outros crimes, de realizar operações de compra e venda de instituições financeiras sem a comprovação da origem dos fundos.
Seis banqueiros foram presos, todos representantes da "boliburguesia" (burguesia bolivariana), como é chamada a nova elite econômica surgida no rastro do chavismo. O caso mais visível é Arné Chacón, irmão de Jesse Chacón, que renunciou ao Ministério de Ciência e Tecnologia.
Jesse Chacón é um dos colaboradores mais antigos e íntimos de Chávez, com quem participou do frustrado golpe de Estado de 1992. No governo, ocupou quatro pastas, entre as quais a da Presidência.
Também está preso Ricardo Fernández Barrueco. Acionista majoritário de quatro bancos sob intervenção, é também dono de empresas de alimentos fornecedoras do Mercal, a gigantesca rede de mercados estatais criada por Chávez.
"A grande maioria desses bancos era administrada por pessoas sem maior trajetória dentro do sistema financeiro venezuelano", diz relatório da empresa de análise econômica Ecoanalítica. "Esses bancos haviam constituído uma extensa rede de relações com altos funcionários da administração pública e diferentes entes do Estado, incluindo [a estatal petroleira] PDVSA."
"Esses bancos fizeram operações de dinheiro que podem ter vindo dos cofres públicos ou do narcotráfico", diz o ex-diretor do Banco Central Domingo Maza Zavala. "Estamos vendo apenas a ponta da corrupção, ainda falta muito a esclarecer, há vários personagens para aparecer."
Em declarações recentes, Chávez tem usado o exemplo dos irmãos Chacón para afirmar que "ninguém está acima da lei". Além disso, está promovendo mudanças na regulamentação bancária, para melhorar o controle do setor.
A Venezuela é o segundo país da América Latina no ranking de percepção de corrupção da ONG Transparência Internacional. O país ocupa a posição 162 de um total de 180 países. Na região, está à frente apenas do Haiti -o Brasil está em 75º.
Já as consequências econômicas não serão de grandes proporções, segundo a Ecoanalítica. Seu relatório avalia que não se trata de uma crise sistêmica, mas adverte que a recente ameaça de Chávez de nacionalizar a banca e o manejo pouco transparente da intervenção têm gerado desconfiança entre os correntistas.
Menos otimista, Maza Zavala vê com ressalvas a superação do impasse. Para ele, não está claro como o governo cumprirá a promessa de ressarcir os cerca de 1 milhão de cidadãos que tinham vínculos com os sete bancos, a maioria correntistas.
O Banco Bicentenário reúne só três dos bancos sob intervenção, mas o governo promete devolver o dinheiro de todos os correntistas em seis meses.
O novo banco fará com que o Estado venezuelano passe a controlar 26,5% dos depósitos do país, contra 10,9%, há dois anos. O salto da banca pública se deveu principalmente à nacionalização do Banco de Venezuela, que pertencia ao grupo espanhol Santander.
Apesar do avanço estatal, nem Maza Zavala nem a Ecoanalítica acreditam numa nacionalização completa da banca, como ameaçou Chávez. "Foi apenas um impulso declaratório", diz o ex-diretor.


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