São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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Acordo de Obama com republicanos revolta esquerda

Pacto prorrogou corte de impostos da era Bush aos mais ricos em troca de medidas caras ao presidente dos EUA

"O que ele fez foi quase imperdoável", afirmou analista; democratas já querem desafiar Obama nas primárias de 2012

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Depois dos independentes, agora foi a vez de a elite da esquerda americana se voltar contra Barack Obama com uma força até então pouco vista em seu governo, com ameaças de fim de apoio e de desafios internos à reeleição do presidente em 2012.
A gota d'água foi o acordão fechado entre a Casa Branca e os republicanos para renovar por mais dois anos os polêmicos cortes de impostos da era George W. Bush (2001-2009) para as faixas mais ricas da população. O pacote já foi aprovado no Congresso, e Obama o sancionou anteontem.
Deixar expirar os cortes de impostos aos mais ricos era uma promessa de campanha do presidente, e ele continua a dizer que é contra a sua renovação.
Mas afirmou que foi encurralado pela oposição e teve de concordar para obter necessária extensão do seguro-desemprego e outras medidas de estímulo econômico.
"O que Obama fez foi quase imperdoável" disse à Folha o analista da Universidade Harvard Alexander Keyssar, de tendência democrata.
"Foi má política, má ideologia e má economia. Se você acredita em qualquer tipo de valor progressista, defender por que faz sentido elevar impostos para os mais ricos agora deveria ser muito fácil", afirmou.
Para Keyssar, a concessão de Obama aos republicanos avaliza o "pseudodiagnóstico" da oposição de que "se cria empregos cortando impostos para os ricos" -"e há amplas provas de que isso não é verdade".
Alguns formadores de opinião esquerdistas pediram rompimento imediato com o presidente, como Clarence B. Jones, da Universidade Stanford e ex-confidente do ativista de direitos civis Martin Luther King Jr.
Outros, como Michael Lerner, editor da revista "Tikkun" e analista, e Robert Kuttner, cofundador da revista "The American Prospect", exortaram preparações para uma primária democrata em 2012.
Para estes, o desafio seria uma tentativa de forçar o presidente a retornar para posições mais de esquerda.

"TRAIÇÕES"
O acordão não foi a primeira "traição" do presidente a essa parcela do eleitorado.
A prisão de Guantánamo (Cuba) para suspeitos de terrorismo continua aberta, a guerra no Afeganistão se arrasta, e a reforma do sistema saúde não ofereceu um plano de cobertura público.
"Nada disso é o que os progressistas queriam", afirma Clyde Wilcox, professor de governo da Universidade Georgetown.
"Muita gente acredita que [o ex-presidente George W.] Bush pressionou pelo que quis, com ou sem consenso, e que agora Obama está com medo de pressionar de volta [e agir como o predecessor]", disse Wilcox.
Para Keyssar, "está claro que Obama não é progressista e que as pessoas em seu entorno também não são".
É cedo para dizer se um desafio interno a Obama será viável ou bem-sucedido em 2012 -até porque não há nome forte democrata que possa concorrer com ele em uma primária hoje.
Mas o risco está na mesa, e o estrago pode ser grande. Nenhum dos últimos quatro presidentes que tiveram de enfrentar primárias em seus partidos antes de concorrer à reeleição chegou a um segundo mandato.
Para Wilcox, tudo vai depender da economia. "Se o cenário não melhorar, é bem provável que haja, sim, desafio interno em dois anos."
"Obama será o candidato", diz Keyssar. "Mas acho que ele perdeu o entusiasmo da base progressista, o que provavelmente significa que será derrotado em 2012. E quando ele perder, nos lembraremos desse momento."


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