São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

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Em ilha, jovens batem à porta da Europa

Após queda de ditador, tunisianos se arriscam para chegar a Lampedusa (Itália); travessia de 4 dias custa R$ 2.700

Migrantes alegam que sofreram perseguição e citam economia para ficar, mas dificilmente serão aceitos na Europa

Roberto Salomone-15.fev.2011/FrancePresse
Jovens tunisianos jogam futebol; eles chegaram à ilha de Lampedusa, no sul da Itália, e tentam imigrar legalmente para o continente europeu

VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A LAMPEDUSA (ITÁLIA)

O caminho de cerca de 2 km que liga o Centro de Migrantes à principal rua de Lampedusa, no extremo sul da Itália, se transformou numa espécie de procissão de esperança e desesperança para os milhares de jovens tunisianos que fugiram de seu país em busca de um futuro na Europa.
Eles ficam num vaivém durante todo o dia, na tentativa de ocupar o tempo que ainda terão de esperar para deixar essa ilha -que fica a apenas 120 km de seu país de origem- e seguir para a terra prometida, a Europa continental.
Cerca de 5.000 deixaram a Tunísia neste mês com destino a Lampedusa. Pagam em média 1.000 (cerca de R$ 2,7 mil) pela travessia, que, dependendo do tipo de embarcação e da necessidade de fugir da Guarda Costeira, demora entre 20 horas e quatro dias no mar.
Ao menos seis morreram sem chegar à Itália, e a previsão é que mais venham.
"Valeu a pena. Eu fiquei quatro dias no mar com outros 190 homens. A gente comia pouco, mas sabia que o sonho estava logo ali na frente. Não há como ficar na Tunísia agora. É uma terra sem futuro, sem dinheiro, sem emprego", diz Houcin Mokhtari, um tunisiano de 28 anos que espera encontrar familiares na França.
Há tempos ele queria partir, e a queda do ditador Zine el Abidine Ben Ali, que estava no poder havia 23 anos, deu-lhe os motivos para concretizar o plano.
"Nos 23 anos do Ben Ali, ninguém teve liberdade, ninguém teve democracia na Tunísia. Mas a família dele fugiu levando o dinheiro do país e, agora, ninguém sabe o que vai acontecer. Estamos sem governo. Com a bagunça, não há mais controle de fronteiras. Era a oportunidade de pegar o barco para vir para cá", afirma.

FORA DO PADRÃO
Os tunisianos que estão em Lampedusa têm um perfil parecido. Quase todos têm entre 20 e 30 anos. Dos mais de 5.000 que chegaram, menos de 50 são mulheres.
Eles caminham pela ilha com as mesmas roupas que poderiam ser encontradas nas periferias de qualquer cidade ocidental: jeans, casacos que imitam couro, blusas de lã ou moletons.
A maioria tem seu próprio celular e muitos gravaram as imagens da travessia.
Aqui ou ali aparecem marcas de grifes, que podem ou não ser verdadeiras: calças Diesel, gorros Adidas, tênis Nike ou Asics.
Muitos têm diploma universitário e todos fogem do padrão "refugiados famélicos e doentes" tão associado aos africanos.
"Esses são diferentes de outros que tivemos por aqui antes. São mais bem-educados e estão em bom estado de saúde. Por isso, pudemos até usar a enfermaria para alojar mais colchões", afirmou o responsável pelo Centro de Migração de Lampedusa, Cono Galibo.
Galibo se referia a outras ondas migratórias, como a de 2008, ano em que a cidade recebeu 31 mil pessoas, vindas principalmente da Eritreia e do Sudão.
No início daquele ano, imigrantes impacientes com a indefinição de seu futuro colocaram fogo no centro.
Apesar da "boa educação" dos tunisianos, carros do corpo de bombeiros ficam na porta do centro para o caso de alguma emergência.
Houcin e os demais dizem ter fugido da Tunísia por falta de perspectiva de futuro, mas se defrontam agora com mais incertezas.
Alguns vão alegar perseguição política e pedirão asilo, o que é difícil de conseguir, uma vez que a Europa (e a Itália em especial) não quer saber de mais imigrantes.
Outros falarão de questões econômicas. Com isso, terão ainda menos chance de ficar de forma legal.
"Há um misto. Alguns têm razões políticas para deixar a Tunísia. Podem de alguma forma estar ligados ao antigo ditador e temem revanche. Mas a maioria veio atrás de emprego", diz Laura Boldrini, porta-voz da Acnur, agência das Nações Unidas para refugiados.

"PREFIRO MORRER"
Se a Itália fechar um acordo com a Tunísia, muitos poderão ser extraditados imediatamente, o que consideram o pior dos pesadelos.
"Eu prefiro morrer. Se disserem que tenho que voltar, me enforco", diz Zyed Bahyoun, 25, que era guia turístico e fala árabe, francês, alemão e italiano.
"A Europa diz que os países têm de perseguir liberdade e democracia. Nós derrubamos o ditador, agora queremos ter liberdade de deixar o país. Queremos ter liberdade de ficar aqui, na Europa", afirma Zyed.
Enquanto aguardam visto ou asilo, os tunisianos ficarão até seis meses em centros de imigração. Passado este tempo, terão de deixar o país em até cinco dias.
"Muitos vão cair na clandestinidade. Não vão deixar o país e serão explorados como escravos pelo mercado negro de imigrantes ilegais", afirma Flavio Di Giacomo, da Organização Internacional para a Migração.
Ou seja, estão sem futuro na Tunísia e com futuro sombrio na Europa.


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