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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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TECNOLOGIA

Forças anglo-americanas investem no aumento de armas "inteligentes" contra Saddam

EUA apostam em "batalha digital"

DA REPORTAGEM LOCAL

Um ataque anglo-americano ao Iraque pode ser a primeira guerra em que o software terá mais destaque que o hardware, na qual soldados passarão menos tempo apertando gatilhos e mais tempo olhando telas de computador, enviando e recebendo mensagens.
À primeira vista parece que pouco mudou desde a Guerra do Golfo de 1991. As fotos dos equipamentos levados ao Kuait mostram versões mais novas dos mesmos tanques pesados M1 Abrams, veículos de combate de infantaria M2 Bradley, canhões autopropulsados M-109, e os mesmos caça-bombardeiros F-16 Fighting Falcon, da Força Aérea, e F/A-18 Hornet, da Marinha, em ação.
A grande mudança é invisível, pois faz parte do "recheio" de um tanque ou avião. Uma década de desenvolvimento da eletrônica e da informática promete iniciar o que o Pentágono chama de RMA, "Revolution in Military Affairs", Revolução em Assuntos Militares.
O novo "espaço de batalha digital" chega na hora certa para os militares dos EUA. A maior exigência feita hoje às tropas atacantes é a rapidez. Por motivos políticos, os EUA e seus aliados precisam tomar o Iraque no menor tempo possível, com o menor número de baixas entre civis.
Isso só é teoricamente possível graças a um moderno sistema conhecido pela sigla C4 ISR -Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance (Comando, Controle, Comunicação, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento).
Sem colocar as Forças Armadas iraquianas fora de combate através de golpes rápidos, os anglo-americanos correm o risco de se verem envolvidos em arriscados combates urbanos em Bagdá ou Basra, com um número de baixas bem mais elevado, e a possível morte de milhares de civis.
O aspecto mais divulgado da moderna revolução em eletrônica é o aumento da precisão das armas, que cunhou a expressão "ataque cirúrgico" (embora o "bisturi" em questão seja uma carga explosiva de dezenas ou centenas de quilos). Mas acertar o alvo é apenas parte da questão. Primeiro é preciso localizá-lo. O comandante também tem de saber onde estão suas tropas para "gerenciar" o campo de batalha.
Graças ao sistema de posicionamento por satélite GPS, e à difusão dos dados por uma espécie de internet militar própria, o comandante pode ter no seu monitor a localização exata e em tempo real de seus comandados, e estes também podem saber onde estão em relação ao resto das tropas.
Um dos sistemas digitais de comando e controle do Exército dos EUA leva a curiosa sigla FBCB2 (Force 21 Battle Command, Brigade and Below -Força 21, Comando de Batalha, Brigada e Abaixo). Seu objetivo é a integração no espaço de batalha digital das principais unidades combatentes, a brigada e seus componentes "abaixo" (batalhões, companhias, pelotões).
Além de manter seu sistema C4 ISR operacional, o atacante procurará impedir o do inimigo de funcionar. Mais importante do que destruir cada míssil do Iraque será atacar seus postos de comando, estações de rádio e de radar.
Em um Exército autoritário como é o do Iraque, a iniciativa costuma ser negada aos escalões inferiores. Sem receber ordens, essas tropas ficam passivamente esperando o ataque inimigo ou podem se dispersar, como em 91.
As vantagens da nova estratégia, especialmente para tropas numericamente inferiores, podem ser entendidas por uma comparação. O Exército do Iraque equivale a um grupo de pessoas com vendas nos olhos e tampões nos ouvidos, apenas tateando o entorno, atacados por um grupo menor e ágil com todos os sentidos ativos.
A rapidez no avanço é um dos maiores desafios às forças anglo-americanas, porque tropas terrestres ainda têm que levar em consideração as leis da física. Tanques não voam e só um número pequeno deles pode ser levado de avião.
Além de ter de combater pelo caminho, desde a fronteira kuaitiana até Bagdá, as forças mecanizadas de tanques e blindados de transporte de tropas têm um ritmo de avanço próprio mesmo sem oposição inimiga.
Esse ritmo não mudou não só desde a guerra de 1991, mas continua praticamente o mesmo desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em um avanço considerado clássico, a 7ª Divisão Blindada alemã comandada por Erwin Rommel percorreu 60 km por dia na conquista da França em 1940.
Como lembra o historiador militar israelense Martin van Creveld, o mesmo ritmo ocorreu na Guerra dos Seis Dias entre Israel e árabes em 67: "Mesmo um exército operando em condições ideais, desfrutando de completa superioridade aérea e atacando de surpresa um inimigo de segunda categoria não consegue cobrir mais que 40 milhas (66 km) por dia".
Segundo Creveld, o mesmo aconteceu em 1991. Apesar de os blindados atuais terem poder de fogo bem maior que os de 1945, também têm motores que consomem mais combustível. Forças mecanizadas precisam parar, se reorganizar e serem supridas de tempos em tempos.
Outro ponto em que a informática promete facilitar as operações é seu uso na organização da logística, do suprimento de comida e munição aos combatentes. Milhares de itens, de fuzis e baterias a chocolate, receberam códigos de barra para facilitar sua movimentação e distribuição rápida.
Uma alternativa a um lento avanço por terra até a capital iraquiana que estaria sendo cogitada, segundo o jornal britânico "The Sunday Times", é um assalto por pára-quedistas diretamente sobre o aeroporto de Bagdá.
Tradicionalmente, é uma operação arriscada, pois os pára-quedistas não contam com armas como artilharia pesada e tanques nas primeiras horas. Só depois de tomada uma pista de pouso é que esses itens chegam. Em compensação, o domínio do ar permite que a aviação apóie tropas avançadas 24 horas por dia.
A ênfase na modernidade tecnológica não significa esquecer o que está por trás das telas de computador: força bruta concentrada. Maior precisão das armas "inteligentes" significa também que menos aviões e mísseis são necessários para destruir um alvo, permitindo que mais objetivos sejam atingidos ao mesmo tempo.
O cenário básico de uma guerra ao Iraque envolve uma fase inicial, de duração variável, de ataques por bombas e mísseis, com grande concentração nas primeiras horas. A diferença crucial é que, se as armas "inteligentes" eram cerca de 10% da tonelagem empregada em Kosovo em 91 e no Afeganistão em 2001, a proporção subiu para mais de 90%, o que permitiria um ataque inicial bem mais concentrado que em 91.
O "kit" de modificação conhecido como JDAM custa cerca de US$ 20 mil. Consiste na instalação de um receptor de GPS na cauda das bombas, tornando-as capazes de acertar um alvo com margem de erro de meros 13 m, de noite ou com visibilidade ruim.
(RICARDO BONALUME NETO)

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