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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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EUROPA

França e Alemanha lideram bloco contrário à guerra no Iraque; Reino Unido, Espanha e Itália apóiam política dos EUA

Dividida, UE debaterá crise iraquiana

Ian Nicholson/Associated Press
Britânica contrária à guerra é detida por policiais em protesto perto do Parlamento, em Londres


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Os líderes políticos dos 15 países da União Européia se reúnem hoje, em Bruxelas, para uma cúpula que terá como questão central a guerra contra o Iraque, tema que gerou profundas divisões no bloco e ameaça o futuro da política externa e de segurança da UE.
O encontro, de dois dias, deveria tratar das reformas necessárias para transformar a UE na economia mais competitiva do planeta até 2010. Contudo, por conta da crise, a Grécia, que preside o bloco atualmente, decidiu pôr a questão iraquiana no topo da pauta.
Segundo analistas ouvidos pela Folha, a profunda divisão da UE -causada pela política externa americana e por erros diplomáticos dos próprios europeus- não deverá ser atenuada na cúpula.
"A agressiva política dos EUA desencadeou a crise. Mas os europeus cometeram ao menos três falhas. Primeiro, não notaram a gravidade da situação em meados de 2002, quando a saída diplomática talvez ainda fosse possível", avaliou Anne-Marie Le Gloannec, diretora do Centro Marc Bloch, um instituto de pesquisas franco-alemão situado em Berlim.
"Segundo, ao expor sua oposição à guerra já em setembro, o chanceler [premiê] alemão [Gerhard Schröder] impediu a tomada de uma posição moderada comum da UE. Terceiro, Paris não devia ter-se aliado totalmente a Berlim. Não teria sido mais sábio buscar uma aproximação com [o premiê britânico] Tony Blair e tentar influenciá-lo, como ele diz fazer com [o presidente dos EUA] George W. Bush?", perguntou.
Blair também tem sua parte da culpa, para Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Berlim). "Se Blair não tivesse feito jogo duplo, dizendo aos europeus que a resolução 1441 não abriria caminho para a guerra e aos americanos que ela permitiria o ataque, talvez a situação não tivesse chegado ao estado crítico atual."
Para agravar a crise, o motor franco-alemão, que tradicionalmente impulsiona o bloco, está em pane. "Declarando formalmente, em janeiro, que eram contrários à guerra, franceses e alemães abriram caminho para as cisões. Isso não demorou, pois países do leste e alguns ocidentais não tardaram a dar seu apoio a Bush", analisou Le Gloannec.
Assim, o futuro da política externa da UE está em perigo. Já há quem diga que ela poderá não ser única -num esquema de cooperação reforçada entre países cujas diretivas externas sejam similares.
"Se a política externa americana continuar agressiva e as divisões européias subsistirem, Alemanha, França, Bélgica, Suécia e Finlândia poderão criar um quadro de cooperação reforçada em relação à sua segurança externa", afirmou Christian Lequesne, diretor do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (França).
Todavia Charles Kupchan, do Council on Foreign Relations (EUA), discorda. "A longo prazo, o bloco se enfraquecerá se permanecer dividido. Mas é vital ressaltar que a maioria da opinião pública européia é contrária à guerra, o que mostra que a cisão política não se reflete na população."
"Talvez a controvérsia acabe mostrando aos europeus que há um verdadeiro distanciamento entre seus interesses e os americanos. Isso significaria que a UE sairia fortalecida da crise iraquiana."
O cenário atual é pior que o de 1992, quando a Europa não interveio nos Bálcãs para manter-se unida. Em 2003, como disse Le Gloannec, a guerra ocorrerá, e a UE estará "gravemente doente".


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