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Iraque piorou sob os EUA, diz estudioso
Para escritor Dilip Hiro, custo dos danos do conflito é de US$ 100 bi e ataque em Madri já é fruto da "guerra sem fim" de Bush
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há um ano, durante a Guerra do
Iraque, quando Bagdá abrigava os
cerca de 80 jornalistas que tinham
permanecido na cidade sob bombas, não era raro ver repórteres
carregando, entre colete e capacete à prova de balas e máscara antigás, um exemplar de capa mole
(mais leve para carregar na mochila) de um livro de Dilip Hiro.
De nome curioso e sonoro, este
indiano radicado em Londres é
uma das autoridades em Oriente
Médio, Iraque e Saddam Hussein,
não necessariamente nesta ordem, mas necessariamente três
assuntos cabeludos, que ele destrincha e explica em títulos como
"Iraq - In The Eye of The Storm"
(Iraque, no olho da tempestade),
o mais recente, "Secrets and Lies
-Operation Iraqi Freedom" (segredos e mentiras, operação liberdade iraquiana), e outros.
Colaborador de jornais que vão
do norte-americano "The New
York Times" ao britânico "The
Guardian", o escritor e jornalista
liberal deu entrevista à Folha por
e-mail, uma conversa que começou há duas semanas e teve diversos complementos diante dos últimos acontecimentos em Madri.
Sua opinião? O Iraque está pior
do que há um ano, a guerra poderia ter sido evitada e o ataque terrorista na Espanha é o governo
George W. Bush colhendo os primeiro frutos do que Dilip Hiro
chama de "guerra sem fim".
Folha - O Iraque está melhor ou
pior do que um ano atrás?
Dilip Hiro - Melhor ou pior em
que sentido? Econômica, social e
politicamente? Economicamente,
o desemprego está entre 60% e
75%. Ao dissolver integralmente
as Forças Armadas, a polícia e o
serviço público, o comando norte-americano da ocupação, a Autoridade Provisória da Coalizão
[APC], não só criou imenso desemprego, mas também um vácuo na administração da segurança que permite aos insurgentes
operarem com latitude muito
mais ampla do que seria o caso se
a APC tivesse procedido de forma
mais gradual -como a ONU fez
na Bósnia, por exemplo.
Politicamente, nada está definido ainda. Antes da invasão anglo-americana, o Departamento de
Estado dos EUA estabeleceu diversos comitês para estudar diferentes aspectos do Iraque pós-Saddam. O comitê cujo tema era a
democracia concluiu em seu relatório que o processo de transição
para a democracia no país levaria
três anos, ou 36 meses.
Agora, o processo foi comprimido para sete meses. Por quê?
Para que se encaixe no calendário
eleitoral norte-americano. Assim,
qual deveria ser a prioridade: a estratégia de curto prazo de Bush
para se reeleger ou o bem-estar do
povo iraquiano no longo prazo?
Que os leitores decidam.
Folha - O sr. acha que uma nova
Constituição iraquiana, com valores ocidentais, "pegaria"?
Hiro - Quem fala sobre influência e valores norte-americanos na
Lei Administrativa de Transição
(LAT), a Constituição interina ora
em vigor no Iraque, deveria ler a
Constituição da República Islâmica do Irã, da qual consta uma longa lista de direitos do cidadão.
Os pontos principais são o papel
do islã e os poderes da Presidência. Quanto a isso, vemos que o islamismo é a religião oficial da
LAT -o que não é o caso na vizinha Síria, onde não existe religião
oficial. Segundo, a importância da
sharia -ou lei islâmica- como
fonte primária das leis iraquianas:
fonte única ou apenas influência?
Por enquanto, eles optaram por
tomar a sharia apenas como influência, mas por quanto tempo?
Pesquisas demonstram que
56% da população deseja uma República Islâmica do Iraque. Mas
Paul Bremer, que comanda a
APC, já afirmou publicamente
que vetaria um documento que
contivesse artigos nesse sentido. É
essa a "liberação" concedida aos
iraquianos, que nem sequer podem exercer seu direito à autodeterminação. Quanto à Presidência, os xiitas desejam que a chefia
de governo caiba ao presidente,
mas os demais grupos não concordam e preferem conceder a
maior parte dos poderes executivos a um primeiro-ministro.
Folha - O mais provável é que o
próximo líder seja xiita. Isso não levaria a uma aliança com o Irã?
Hiro - Como disse, a maioria deseja uma República islâmica no
Iraque. Há três modelos na região: Arábia Saudita, Irã e Turquia. Ainda não se sabe que modelo o Iraque escolherá. Mas não
há qualquer dúvida de que será
no mínimo amistoso para com o
Irã -ou talvez até um aliado estreito. Quanto à influência, temos
Irã e EUA, com cartas igualmente
fortes, e é provável que o jogo
continue até as eleições presidenciais dos EUA, em novembro.
Folha - Bem ou mal, a invasão anglo-americana livrou o Iraque de
um ditador. O sr. acredita que havia alternativa à guerra?
Hiro - Você presume que os anglo-americanos tenham invadido
o Iraque para livrar o país da ditadura. Mas que sistema prevalece
na Arábia Saudita ou em qualquer
outro Estado rico em petróleo do
golfo Pérsico, agora? A democracia liberal? A questão é: por que o
Iraque? E por que agora? A razão
primordial que os anglo-americanos deram para a invasão era o fato de que Saddam estaria equipado com armas de destruição em
massa que poderiam ser disparadas em 45 minutos. Assim, os
EUA e o Reino Unido corriam
"perigo claro e iminente". Mas a
ameaça não existia de fato.
Se a questão fosse introduzir a
democracia no Iraque sem a invasão anglo-americana, Saddam
ofereceu um acordo. De acordo
com o "New York Times" e com o
"Guardian" de 7 de novembro de
2003 -e contrariando as alegações de Bush e do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, de
que todas as abordagens para
uma resolução pacífica da crise
iraquiana já se haviam esgotado-, Saddam Hussein ofereceu
em fevereiro daquele ano um
acordo que satisfaria Bush e Blair
quanto a todos os aspectos importantes da crise: armas de destruição em massa no Iraque, o
processo de paz no Oriente Médio, acesso das empresas petroleiras norte-americanas ao petróleo
e a democratização do Iraque.
De acordo com as reportagens
nesses jornais [confirmadas pelas
partes envolvidas], a proposta de
Saddam era a de que 2.000 agentes da CIA e do FBI fossem enviados ao Iraque para procurar armas de destruição em massa em
qualquer lugar do país. Saddam
prometeu que acataria qualquer
acordo definido entre Israel e as
principais lideranças palestinas.
Prometeu dar às corporações petroleiras norte-americanas uma
fatia na prospecção e na extração
de petróleo. E prometeu eleições
livres e pluripartidárias no Iraque,
sob supervisão internacional, em
prazo de dois anos.
Mas Bush estava tão determinado a invadir o Iraque que recusou
de primeira qualquer consideração da oferta de Saddam e uma
solução pacífica para a crise.
Folha - O sr. acha que é possível
um regime democrático no país?
Hiro - Imagine Bush discursando aos norte-americanos: "Quero
fazer do Iraque um país democrático, e isso implicaria gastar US$
166 bilhões, com mais US$ 1 bilhão por semana durante 25 semanas, bem como o sacrifício de
mais de 550 soldados americanos
-além de 10 mil civis e 13 mil soldados iraquianos-, e a destruição de US$ 100 bilhões de infra-estrutura". Quem aprovaria?
Uma estatística monumentalmente importante da qual o Comando Central norte-americano
deve dispor, mas ainda não divulgou, é o custo dos danos causados
à infra-estrutura do Iraque pelas
seis semanas de guerra e pela semana de saques e incêndios generalizados que se seguiu ao final do
conflito. Meu palpite -com base
nos US$ 200 bilhões de danos
causados à infra-estrutura iraquiana pela Guerra do Golfo, em
1991- é de US$ 100 bilhões. E
quanto Washington reservou para a reconstrução? Míseros US$ 16
bilhões, em três anos.
Folha - O ataque terrorista em
Madri já seria efeito do que o sr.
chama de "guerra sem fim"?
Hiro -Uma das marcas da estratégia da Al Qaeda é montar mais
de um ataque ao mesmo tempo
para criar o máximo de confusão
e causar o maior número possível
de baixas. O raciocínio deles em
Madri estaria vinculado à presença de um grande número de soldados espanhóis entre as forças
de ocupação do Iraque.
Escrevi que "enquanto houver
alguém aterrorizando os governos estabelecidos, é preciso que
haja guerra, o que é uma receita
para uma guerra sem fim". Meu
conceito se baseia na definição
frouxa de terrorismo que o governo Bush cunhou e adotou. Para
começar, o terrorismo não é uma
ideologia -é uma metodologia,
uma tática, que não é monopólio
de qualquer grupo e também é
usada por governos.
De fato, as pessoas que vivem na
América Latina experimentaram
terrorismo de Estado em proporção bem maior do que a maior
parte dos demais povos. Além
disso, se descrevermos o assassinato político como método terrorista, é preciso admitir que existe
há milhares de anos na história da
humanidade. Será que a "guerra
contra o terrorismo" de Bush porá fim aos assassinatos políticos
nos EUA e em outros países?
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