|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O NOVO PAPA
A ESCOLHA
Massa explode em palmas com anúncio
Espera foi marcada por dúvidas sobre a cor da fumaça, e só o badalar dos sinos confirmou que um novo papa havia sido eleito
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA
Faltam 10 minutos para as 18h
(13h em Brasília) de uma terça-feira de céu cor de chumbo sobre
uma praça de São Pedro lotada
até vazar gente para a via della
Conciliazione, que nela desemboca. São, calcula a polícia, 100 mil
homens, mulheres, crianças e
muitos, mas muitos cachorros, na
coleira ou nos braços dos donos.
A chaminé no teto da capela Sistina solta uma fumacinha indecifrável. "É bianca", agita-se toda
Maria Grazia Veronezzi, 66 anos,
cabelos já rareando. "É branquinha", torce Fernando, no mais
puro gauchês, enrolado na bandeira brasileira e cercado pela família e pelos amigos.
O padre Marcos, espanhol da
Opus Dei, tenta inutilmente explicar que a fumaça, por mais que
pareça branca, não pode ser branca porque não estão soando os sinos da basílica de São Pedro -introduzidos pela primeira vez este
ano no cerimonial de anúncio de
um novo papa. O relógio na torre
da formidável catedral marca 18h,
mas nem assim tocam os sinos. A
praça se divide em gritos de "é
bianco", "é nero". O padre Marcos encerra a discussão: "É cinza".
Mas, exatamente às 18h03, os
seis sinos da basílica jogam suas
campanas ao vento para anunciar
que o papa estava eleito. A praça
urra, aplaude, agita bandeiras (do
Brasil e do México, de Honduras e
da Colômbia, dos EUA atada a
uma do Vaticano, da Argentina e
da Croácia, da Costa do Marfim e
do Líbano, da Costa Rica e de Portugal). Curiosamente, há visível
apenas uma bandeira alemã, pátria do novo papa, no setor frontal
da praça, perto da catedral.
Agarrados a uma bandeira da
República Dominicana, um grupo de seminaristas grita para o
professor, que passa pelo corredor metros à frente: "Fábio, amanhã não tem aula". Não é a única
irreverência: "Ucho/ucho/ucho/o
papa é gaúcho", canta a turma de
Fernando, vinda de Porto Alegre
e talvez torcedora do gaúcho dom
Cláudio Hummes. Não é, mas
nem importa.
Importa que os sinos continuam tocando, como em toda
Roma, importa que duas bandeiras da Polônia avançam em meio
à massa, procurando melhor lugar para ver o papa, proclamando: "Polonia - semper fidelis". No
outro canto da praça, uma outra
bandeira do país de João Paulo 2º
traz a inscrição da cidade "Oswiecim" -mais conhecida pelo nome alemão Auschwitz, sede do
mais emblemático campo de extermínio nazista. Ninguém fez referências à passagem de Ratzinger
em sua infância na Juventude Hitlerista, já decantada pelo próprio
cardeal -agora papa.
Francesca Polletto abre a página
do "L'Osservatore Romano" em
que estão as fotos em preto e
branco de todos os 115 cardeais,
como se tentasse adivinhar qual
deles havia sido eleito. Só os cardeais sabem. Para a massa, ainda
vale a manchete de página do jornal do Vaticano: "É il tempo della
attesa" (é o tempo da espera).
A espera se alonga, já faz 20 minutos que os sinos estão tocando.
Passa um pouco das seis e meia,
caem uns pinguinhos de chuva,
poucos para a cor ameaçadora do
céu. Começam palmas sincopadas, pedindo que o novo papa
apareça no balcão acima do portão principal da basílica, sob a
inscrição em latim "Pavlus V
Burghesivs Romanvs". Não, não
é alusão à burguesia, explica o paciente padre Marcos, amassando
o terço. É apenas o nome de família do papa Paulo 5º.
São 18h37, ouvem-se tambores,
um som que vem de sob as colunas de Bernini, do lado direito de
quem olha para a Basílica. "É a
Guarda Suíça?", pergunta-se no
meio da massa. "Se o penacho for
branco e vermelho, são os carabinieri", ensina Paolo Borsetti, referindo-se à polícia italiana.
O penacho é branco e vermelho, mas são os dois corpos policiais que estão se aquecendo para
entrar na praça e render homenagem ao novo papa. A Guarda Suíça aparece depois, mas sem instrumentos, e se perfila ao lado da
banda militar.
Quatro minutos depois, abre-se
o grande cortinado vermelho no
balcão da Basílica de São Pedro, e
aparece o cardeal chileno Jorge
Arturo Medina Estévez, a quem,
como protodiácono, cabe anunciar aos "irmãos e irmãs" que
"habemus papam".
Em seguida, quando o chileno
diz que o papa é o "eminentíssimo e reverendíssimo dom Iosephus", nem precisa terminar a
frase. A massa explode em palmas, sabendo que o eleito havia
sido Joseph Ratzinger, o mais conhecido de todos os 115 cardeais,
por ter sido por mais de 20 anos o
responsável pela vigilância da
doutrina, como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, o
braço direito de João Paulo 2º.
O aplauso no setor frontal, porém, foi menos entusiasmado do
que quando a fumaça branca
saiu. Os mexicanos murcharam,
sentaram na cadeira como se o
seu time tivesse perdido. "Queria
um latino, mas o importante é
que "habemus papam'", diz Javier, um venezuelano que voltou
à praça como no dia anterior.
Um grupo de brasileiros, com
bandeiras, tinha transformado o
"Habemus Papam" em canto de
torcida, com coreografia de palmas. Também ficaram meio empalidecidos com a chegada do
"panzerkardinal", mas logo se
animaram de novo.
A massa aplaude também
quando é anunciado que Ratzinger adotara o nome "Bento 16",
por mais que alguns façam cara
de ponto de interrogação, sem
poder identificar, de saída, quem
era o Bento anterior, o 15º, cujo
pontificado, afinal, terminara 83
anos antes, em 1922.
Seja como for, quando Bento 16
afinal se apresenta no balcão da
Basílica, o público abandona
qualquer reverência para gritar
como se a praça fosse o Estádio
Olímpico de Roma: "Benedetto/
Benedetto/Benedetto" (bendito
em italiano que, em português,
seria "bendito" ou bento).
(CLÓVIS ROSSI E IGOR GIELOW)
Texto Anterior: Joseph Ratzinger / Bento 16 Próximo Texto: O novo papa: A escolha: Papa diz que é "humilde trabalhador" Índice
|