São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

A ESCOLHA

Massa explode em palmas com anúncio

Espera foi marcada por dúvidas sobre a cor da fumaça, e só o badalar dos sinos confirmou que um novo papa havia sido eleito

DOS ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA

Faltam 10 minutos para as 18h (13h em Brasília) de uma terça-feira de céu cor de chumbo sobre uma praça de São Pedro lotada até vazar gente para a via della Conciliazione, que nela desemboca. São, calcula a polícia, 100 mil homens, mulheres, crianças e muitos, mas muitos cachorros, na coleira ou nos braços dos donos.
A chaminé no teto da capela Sistina solta uma fumacinha indecifrável. "É bianca", agita-se toda Maria Grazia Veronezzi, 66 anos, cabelos já rareando. "É branquinha", torce Fernando, no mais puro gauchês, enrolado na bandeira brasileira e cercado pela família e pelos amigos.
O padre Marcos, espanhol da Opus Dei, tenta inutilmente explicar que a fumaça, por mais que pareça branca, não pode ser branca porque não estão soando os sinos da basílica de São Pedro -introduzidos pela primeira vez este ano no cerimonial de anúncio de um novo papa. O relógio na torre da formidável catedral marca 18h, mas nem assim tocam os sinos. A praça se divide em gritos de "é bianco", "é nero". O padre Marcos encerra a discussão: "É cinza".
Mas, exatamente às 18h03, os seis sinos da basílica jogam suas campanas ao vento para anunciar que o papa estava eleito. A praça urra, aplaude, agita bandeiras (do Brasil e do México, de Honduras e da Colômbia, dos EUA atada a uma do Vaticano, da Argentina e da Croácia, da Costa do Marfim e do Líbano, da Costa Rica e de Portugal). Curiosamente, há visível apenas uma bandeira alemã, pátria do novo papa, no setor frontal da praça, perto da catedral.
Agarrados a uma bandeira da República Dominicana, um grupo de seminaristas grita para o professor, que passa pelo corredor metros à frente: "Fábio, amanhã não tem aula". Não é a única irreverência: "Ucho/ucho/ucho/o papa é gaúcho", canta a turma de Fernando, vinda de Porto Alegre e talvez torcedora do gaúcho dom Cláudio Hummes. Não é, mas nem importa.
Importa que os sinos continuam tocando, como em toda Roma, importa que duas bandeiras da Polônia avançam em meio à massa, procurando melhor lugar para ver o papa, proclamando: "Polonia - semper fidelis". No outro canto da praça, uma outra bandeira do país de João Paulo 2º traz a inscrição da cidade "Oswiecim" -mais conhecida pelo nome alemão Auschwitz, sede do mais emblemático campo de extermínio nazista. Ninguém fez referências à passagem de Ratzinger em sua infância na Juventude Hitlerista, já decantada pelo próprio cardeal -agora papa.
Francesca Polletto abre a página do "L'Osservatore Romano" em que estão as fotos em preto e branco de todos os 115 cardeais, como se tentasse adivinhar qual deles havia sido eleito. Só os cardeais sabem. Para a massa, ainda vale a manchete de página do jornal do Vaticano: "É il tempo della attesa" (é o tempo da espera).
A espera se alonga, já faz 20 minutos que os sinos estão tocando.
Passa um pouco das seis e meia, caem uns pinguinhos de chuva, poucos para a cor ameaçadora do céu. Começam palmas sincopadas, pedindo que o novo papa apareça no balcão acima do portão principal da basílica, sob a inscrição em latim "Pavlus V Burghesivs Romanvs". Não, não é alusão à burguesia, explica o paciente padre Marcos, amassando o terço. É apenas o nome de família do papa Paulo 5º.
São 18h37, ouvem-se tambores, um som que vem de sob as colunas de Bernini, do lado direito de quem olha para a Basílica. "É a Guarda Suíça?", pergunta-se no meio da massa. "Se o penacho for branco e vermelho, são os carabinieri", ensina Paolo Borsetti, referindo-se à polícia italiana.
O penacho é branco e vermelho, mas são os dois corpos policiais que estão se aquecendo para entrar na praça e render homenagem ao novo papa. A Guarda Suíça aparece depois, mas sem instrumentos, e se perfila ao lado da banda militar.
Quatro minutos depois, abre-se o grande cortinado vermelho no balcão da Basílica de São Pedro, e aparece o cardeal chileno Jorge Arturo Medina Estévez, a quem, como protodiácono, cabe anunciar aos "irmãos e irmãs" que "habemus papam".
Em seguida, quando o chileno diz que o papa é o "eminentíssimo e reverendíssimo dom Iosephus", nem precisa terminar a frase. A massa explode em palmas, sabendo que o eleito havia sido Joseph Ratzinger, o mais conhecido de todos os 115 cardeais, por ter sido por mais de 20 anos o responsável pela vigilância da doutrina, como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, o braço direito de João Paulo 2º.
O aplauso no setor frontal, porém, foi menos entusiasmado do que quando a fumaça branca saiu. Os mexicanos murcharam, sentaram na cadeira como se o seu time tivesse perdido. "Queria um latino, mas o importante é que "habemus papam'", diz Javier, um venezuelano que voltou à praça como no dia anterior.
Um grupo de brasileiros, com bandeiras, tinha transformado o "Habemus Papam" em canto de torcida, com coreografia de palmas. Também ficaram meio empalidecidos com a chegada do "panzerkardinal", mas logo se animaram de novo.
A massa aplaude também quando é anunciado que Ratzinger adotara o nome "Bento 16", por mais que alguns façam cara de ponto de interrogação, sem poder identificar, de saída, quem era o Bento anterior, o 15º, cujo pontificado, afinal, terminara 83 anos antes, em 1922.
Seja como for, quando Bento 16 afinal se apresenta no balcão da Basílica, o público abandona qualquer reverência para gritar como se a praça fosse o Estádio Olímpico de Roma: "Benedetto/ Benedetto/Benedetto" (bendito em italiano que, em português, seria "bendito" ou bento). (CLÓVIS ROSSI E IGOR GIELOW)

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