São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

A ESCOLHA

Papa diz que é "humilde trabalhador"

Diante dos fiéis na praça São Pedro, Ratzinger é econômico na manifestação de alegria, cita João Paulo 2º e Nossa Senhora

DOS ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA

Ao se apresentar no balcão da basílica de São Pedro, Joseph Ratzinger saúda a todos com gestos largos, juntando as mãos como se estivesse abraçando o público. É econômico nas manifestações, à moda germânica. Não sorri a não ser um sorriso tímido. Começa a falar aos "caros irmãos e irmãs", para dizer que, "depois do grande papa João Paulo 2º". O público ensaia cantar, como no dia do enterro de Karol Wojtyla: "Santo subito". Mas o grito morre logo, para permitir que o novo papa termine seu discurso de apresentação, em que se anuncia como "um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor".
A humildade no discurso prossegue: "Consola-me o fato de que o Senhor sabe trabalhar também com instrumentos insuficientes e, sobretudo, confio nas vossas orações". Termina dizendo que "o Senhor nos ajudará, Maria sua Santíssima Mãe está do nosso lado", dando continuação à adoração da Virgem Maria que marcou o pontificado de Wojtyla.
Os aplausos aumentam, os gritos de "Benedetto/Benedetto" também. Cessam apenas para que Bento 16 possa fazer a tradicional bênção "Urbi et Orbi" (à cidade e ao mundo). Termina com o também tradicional "Pater et filii et Spiritu Sanctu/ Amem". "Amem", responde a praça em uníssono, uma boa parte da audiência ajoelhada. E grita: "Viva il papa".

Mais cedo
Ratzinger volta para a basílica, ficam os demais cardeais, nos balcões laterais, os guardas suíços, a banda dos carabineiros toca a introdução do Hino Nacional italiano, os italianos, maioria óbvia na praça, cantam com redobrado entusiasmo. Está terminando um dia que, a rigor, começara da mesma maneira, com a mesma fumaça indecifrável saindo da chaminé da Sistina, para uma festa que se revelaria precipitada por algumas horas.
Desta vez, o sino toca o burocrático toque das 12h (7h em Brasília), em vez da explosão sonora que viria seis horas depois. Desta vez, a fumaça nem branca nem negra, mais para cinza, logo se torna espessamente negra.
"Mamma, é nera", a jovem loira avisa à mãe, pelo celular, que também nas duas votações de ontem pela manhã, os 115 cardeais trancados na capela Sistina não haviam chegado ainda ao nome do novo papa.
"Levanta a bandeira, Eduarda", grita uma senhora no mais nítido português do Brasil. Eduarda é uma menininha loira e graciosa, e a bandeira, claro, é a do Brasil que ela leva aos ombros, até ser desfraldada pelo grupo de turistas levados pela Maringá Turismo.
Andam pela praça exibindo a bandeira até trombarem com a equipe da Rede Globo. Prato feito. Todos falam português e ainda há a bandeira.Nem todos têm a mesma sorte de encontrar algum turista/fiel que fale a língua da emissora. A praça de São Pedro, a via della Conciliazione, algumas sacadas próximas e não tão próximas, todo o entorno do Vaticano, é um festival de câmeras de TV apontadas todas para a chaminé.

Coroa de flores
Até John Simpson, lendário editor internacional da BBC britânica, que aparece um dia no Afeganistão, no dia seguinte no Iraque, agora faz ponto junto ao obelisco da praça de São Pedro, já despido do caráter de relicário para o papa João Paulo 2º. Chistianne Amanpour, badalada correspondente da CNN, é outra figura notória por perto.
Sobraram, ali perto, apenas uma coroa de flores com as cores vermelho-e-branco da Polônia, uma fita, naturalmente em polonês e algumas pequenas velas sob os postes da praça.
Sobraram também incontáveis cartazes com a foto de Karol Wojtyla e "obrigado" escrito em um punhado de línguas, inclusive português. Ficam nas paredes próximas das lojas de souvenir da via di Porta Angelica, que bordeia os altos muros do Vaticano, até desembocar, ela também, na grande praça.
As lojas já vendem T-shirt com o que seria a última frase de João Paulo 2º, quando já nem podia falar: a mensagem aos jovens que o papa dizia ter buscado e que, na hora final, foram a ele. "Grazie", termina a mensagem estampada na camiseta, vendida a 8 euros a unidade (pouco menos de R$ 30).
Pouco importa a suspeita, levantada pela imprensa italiana, de que a frase teria sido uma "forçada" do grupo conservador da igreja, um golpe midiático.
A fumaça negra, o toque de meio-dia, a fome -tudo indica aos turistas e fiéis que é hora de deixar a praça. Enche-se rapidamente a Borgo Pio, a rua de pedestres que termina na Porta Angelica. É a rua dos restaurantes, que passam a ficar repletos de batinas, talvez a maior concentração delas por metro quadrado.

"Totopapa"
Em "Il Pozzetto", já quase no fim do calçadão, as batinas estão acompanhadas das bandeiras de Honduras, ao lado da mesa de um grupo de quatro padres, três civis e suas acompanhantes, que usam muito a palavra Maradiaga, óbvia alusão a Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Honduras, outro nome tido como forte no "totopapa", a loteria de apostas sobre o futuro papa. Mas, insolitamente, a mesa dos hondurenhos fala também em Oliver Khan, o goleiro da seleção alemã de cara amarrada que levou dois gols de Ronaldo na final da Copa de 2002.
O almoço está terminando. Termina também o único momento de certa tranqüilidade para o pessoal da Proteção Civil, permanentemente a postos, em seus uniformes de um gritante laranja fosforescente, trazendo, nas costas, em inglês, uma inscrição apropriada para os tempos que correm em Roma: "The Angels".
É hora de a praça começar de novo a se encher, se encher mais e mais, até que, desta vez, os seis sinos da Basílica soem forte e ponham fim às dúvidas deixadas por uma fumaça que jamais foi imaculadamente branca.
(CLÓVIS ROSSI E IGOR GIELOW)


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