|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O NOVO PAPA
A ESCOLHA
Papa diz que é "humilde trabalhador"
Diante dos fiéis na praça São Pedro, Ratzinger é econômico na manifestação de alegria, cita João Paulo 2º e Nossa Senhora
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA
Ao se apresentar no balcão da
basílica de São Pedro, Joseph Ratzinger saúda a todos com gestos
largos, juntando as mãos como se
estivesse abraçando o público. É
econômico nas manifestações, à
moda germânica. Não sorri a não
ser um sorriso tímido. Começa a
falar aos "caros irmãos e irmãs",
para dizer que, "depois do grande
papa João Paulo 2º". O público
ensaia cantar, como no dia do enterro de Karol Wojtyla: "Santo subito". Mas o grito morre logo, para permitir que o novo papa termine seu discurso de apresentação, em que se anuncia como "um
simples e humilde trabalhador na
vinha do Senhor".
A humildade no discurso prossegue: "Consola-me o fato de que
o Senhor sabe trabalhar também
com instrumentos insuficientes e,
sobretudo, confio nas vossas orações". Termina dizendo que "o
Senhor nos ajudará, Maria sua
Santíssima Mãe está do nosso lado", dando continuação à adoração da Virgem Maria que marcou
o pontificado de Wojtyla.
Os aplausos aumentam, os gritos de "Benedetto/Benedetto"
também. Cessam apenas para que
Bento 16 possa fazer a tradicional
bênção "Urbi et Orbi" (à cidade e
ao mundo). Termina com o também tradicional "Pater et filii et
Spiritu Sanctu/ Amem".
"Amem", responde a praça em
uníssono, uma boa parte da audiência ajoelhada. E grita: "Viva il
papa".
Mais cedo
Ratzinger volta para a basílica,
ficam os demais cardeais, nos balcões laterais, os guardas suíços, a
banda dos carabineiros toca a introdução do Hino Nacional italiano, os italianos, maioria óbvia na
praça, cantam com redobrado entusiasmo. Está terminando um
dia que, a rigor, começara da mesma maneira, com a mesma fumaça indecifrável saindo da chaminé
da Sistina, para uma festa que se
revelaria precipitada por algumas
horas.
Desta vez, o sino toca o burocrático toque das 12h (7h em Brasília), em vez da explosão sonora
que viria seis horas depois. Desta
vez, a fumaça nem branca nem
negra, mais para cinza, logo se
torna espessamente negra.
"Mamma, é nera", a jovem loira
avisa à mãe, pelo celular, que também nas duas votações de ontem
pela manhã, os 115 cardeais trancados na capela Sistina não haviam chegado ainda ao nome do
novo papa.
"Levanta a bandeira, Eduarda",
grita uma senhora no mais nítido
português do Brasil. Eduarda é
uma menininha loira e graciosa, e
a bandeira, claro, é a do Brasil que
ela leva aos ombros, até ser desfraldada pelo grupo de turistas levados pela Maringá Turismo.
Andam pela praça exibindo a
bandeira até trombarem com a
equipe da Rede Globo. Prato feito.
Todos falam português e ainda há
a bandeira.Nem todos têm a mesma sorte de encontrar algum turista/fiel que fale a língua da emissora. A praça de São Pedro, a via
della Conciliazione, algumas sacadas próximas e não tão próximas, todo o entorno do Vaticano,
é um festival de câmeras de TV
apontadas todas para a chaminé.
Coroa de flores
Até John Simpson, lendário editor internacional da BBC britânica, que aparece um dia no Afeganistão, no dia seguinte no Iraque,
agora faz ponto junto ao obelisco
da praça de São Pedro, já despido
do caráter de relicário para o papa
João Paulo 2º. Chistianne Amanpour, badalada correspondente
da CNN, é outra figura notória
por perto.
Sobraram, ali perto, apenas
uma coroa de flores com as cores
vermelho-e-branco da Polônia,
uma fita, naturalmente em polonês e algumas pequenas velas sob
os postes da praça.
Sobraram também incontáveis
cartazes com a foto de Karol
Wojtyla e "obrigado" escrito em
um punhado de línguas, inclusive
português. Ficam nas paredes
próximas das lojas de souvenir da
via di Porta Angelica, que bordeia
os altos muros do Vaticano, até
desembocar, ela também, na
grande praça.
As lojas já vendem T-shirt com
o que seria a última frase de João
Paulo 2º, quando já nem podia falar: a mensagem aos jovens que o
papa dizia ter buscado e que, na
hora final, foram a ele. "Grazie",
termina a mensagem estampada
na camiseta, vendida a 8 euros a
unidade (pouco menos de R$ 30).
Pouco importa a suspeita, levantada pela imprensa italiana,
de que a frase teria sido uma "forçada" do grupo conservador da
igreja, um golpe midiático.
A fumaça negra, o toque de
meio-dia, a fome -tudo indica
aos turistas e fiéis que é hora de
deixar a praça. Enche-se rapidamente a Borgo Pio, a rua de pedestres que termina na Porta Angelica. É a rua dos restaurantes,
que passam a ficar repletos de batinas, talvez a maior concentração delas por metro quadrado.
"Totopapa"
Em "Il Pozzetto", já quase no
fim do calçadão, as batinas estão
acompanhadas das bandeiras de
Honduras, ao lado da mesa de
um grupo de quatro padres, três
civis e suas acompanhantes, que
usam muito a palavra Maradiaga,
óbvia alusão a Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de
Honduras, outro nome tido como forte no "totopapa", a loteria
de apostas sobre o futuro papa.
Mas, insolitamente, a mesa dos
hondurenhos fala também em
Oliver Khan, o goleiro da seleção
alemã de cara amarrada que levou dois gols de Ronaldo na final
da Copa de 2002.
O almoço está terminando.
Termina também o único momento de certa tranqüilidade para o pessoal da Proteção Civil,
permanentemente a postos, em
seus uniformes de um gritante laranja fosforescente, trazendo, nas
costas, em inglês, uma inscrição
apropriada para os tempos que
correm em Roma: "The Angels".
É hora de a praça começar de
novo a se encher, se encher mais e
mais, até que, desta vez, os seis sinos da Basílica soem forte e ponham fim às dúvidas deixadas
por uma fumaça que jamais foi
imaculadamente branca.
(CLÓVIS ROSSI E IGOR GIELOW)
Texto Anterior: O novo papa: A escolha: Massa explode em palmas com anúncio Próximo Texto: Eleição foi consenso, diz d. Cláudio Índice
|