São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

NA TERRA NATAL

Alemães se dividem sobre Ratzinger

Perfil conservador é visto com reservas por católicos do país, que enfrenta atritos com Vaticano e onde religião perde adeptos

SILVIA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE HEIDELBERG

Não foi com a euforia dos romanos que os alemães receberam a notícia da eleição de Joseph Ratzinger, o primeiro papa alemão desde Adriano 6º, morto em 1523. Festa mesmo só aconteceu na pequena Marktl, à beira do rio Inn, cidade natal de Bento 16, e em Regensburg, onde ele lecionou, na católica e conservadora Baviera.
A reserva dos alemães não surpreende. Apesar de reconhecido como grande teólogo e intelectual, Ratzinger foi o braço direito de João Paulo 2º, cuja linha conservadora sempre enfrentou resistência tanto dentro da Igreja como entre os fiéis alemães, aqui muito organizados em associações católicas leigas.
Pouco depois das primeiras palavras de Ratzinger como papa Bento 16, os chefes das associações "Nós somos a Igreja" e "Igreja de baixo", por exemplo, defensores de uma Igreja católica renovada, já declaravam nas principais TVs alemãs considerar uma "catástrofe" a escolha do bávaro.
Os maiores conflitos entre Roma e os católicos alemães aconteceram há pouco mais de cinco anos, quando o então papa João Paulo 2º proibiu a Igreja alemã de oferecer centros de orientação para jovens grávidas. Aqui, o aborto só é permitido no início da gravidez e depois de a mulher passar por um aconselhamento. Até o final dos anos 90, a Igreja Católica era a principal instituição a fazer esse aconselhamento.
Na mesma época, João Paulo 2º proibiu nas missas católicas a concessão da eucaristia para cristãos protestantes. Uma decisão ousada, considerando que a Alemanha é um país de católicos (33%) e protestantes (32%) e de forte tradição ecumênica.
Foram vários os religiosos alemães excomungados por terem administrado a eucaristia para protestantes. O caso mais conhecido é de Gotthold Hasenhüttl, professor emérito da Universidade de Saarbrücken, oeste do país.
A escolha de um papa alemão acontece em uma época crítica para a Igreja Católica do país. O número de católicos vem caindo constantemente (passou de 28 milhões em 1992 para 26 milhões em 2004), e com ele a contribuição paga pelos fiéis.
Além disso, cada vez menos jovens alemães se dispõem a seguir a carreira de padre. A falta de sacerdotes atinge várias paróquias, onde não há condições para exercer atividades básicas, como a catequese de crianças e jovens.
As primeiras pesquisas de opinião mostram o desejo dos alemães de discutir todos esses problemas com seu novo papa.
A primeira oportunidade deve vir logo: uma das primeiras viagens de Bento 16 será para Colônia, em agosto, quando acontecerá o 20º Congresso Internacional da Juventude. O evento deverá reunir um milhão de pessoas.

"Grande honra"
Mas os percalços não impediram os alemães de manifestarem júbilo. "O fato de um conterrâneo ter se tornado papa enche nós, alemães, com uma alegria especial e um pouco de orgulho", disse o presidente Horst Köhler.
O chanceler (premiê) Gerhard Schröder referiu-se à eleição como "uma grande honra para nosso país inteiro" e a Ratzinger como um "sucessor valoroso" para João Paulo 2º. "No papa Bento 16, foi escolhido um papa que conhece a igreja mundial como ninguém mais", afirmou.
Já entre os alemães espalhados pela praça São Pedro no momento do anúncio, a reação foi mais emocional e menos uniforme. Houve alegria, mas também houve manifestações de surpresa e, principalmente, de decepção entre os que esperavam um pontífice com visões mais progressivas.
A bávara Evelyn Strauch, 54, levou as mãos à cabeça enquanto a multidão à sua volta explodia em aplausos e gritos de "vida longa ao papa". "Isso não pode ser verdade", disse Stauch, que vai à missa assiduamente. "Tinha tanta esperança de termos um papa que fizesse algo pelas mulheres. Vendo quão ruim as coisas estão para as mulheres na igreja, isso é terrível. Ele é muito conservador."
O hamburguês Niels Hendrich, 40, pulou de alegria ao ver a fumaça branca que sinalizava a escolha do novo papa. Mas, quando o nome foi anunciado, sua expressão mudou para um sorriso amarelo, e suas mãos pararam no meio do aplauso. "Não estou nada feliz com isso. Ratzinger vai colocar freios em todos os movimentos progressistas que eu apóio."
Os mais novos, no entanto, pareciam mais alegres. "Este é o momento mais comovente da minha vida", declarou Fabrizio Micalizzi, 22, estudante de Baden-Baden.
Adriano 6º nasceu em Utrecht. Esta é situada hoje na Holanda, mas pertencia ao Sacro Império Romano Germânico em 1459, quando ele nasceu.


Com agências internacionais

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