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O NOVO PAPA
OPINIÃO
Igreja vira-se para dentro, diz escritor
Um dos principais conhecedores da intimidade do Vaticano, o espanhol Juan Arias diz que Bento 16 é o oposto de João Paulo 2º
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor e jornalista espanhol
Juan Arias acompanhou João
Paulo 2º em suas andanças por 60
países. Por ter convivido com a
corte romana [muitas viagens feitas no mesmo avião que a comitiva do papa], Arias tem uma visão
bem concreta do que aguarda o
rebanho católico durante o reinado de Bento 16.
"Karol Wojtyla era um supercomunicador de massas, era um
ator, era alguém que se dava muito bem com a mídia. Ratzinger é o
contrário. É um tímido. Não gosta
da mídia. É um príncipe, uma
personalidade pouco gestual."
Por telefone, Arias falou à Folha
do Rio de Janeiro, onde mora há
sete anos. "O Brasil antecipa o futuro positivo do mundo, do diálogo das raças, das religiões. Infelizmente, o novo papa está muito
longe disso", diz ele.
Folha - O que se pode esperar do
próximo papa?
Juan Arias - Ratzinger fará uma
igreja muito mais voltada para si
mesma, uma igreja mais severa,
sem concessões ao mundo moderno. Será um pontificado em
defesa da fé, da tradição. Embora
vá canonizar João Paulo 2º, não
poderia haver ninguém mais diferente do papa anterior do que
Ratzinger.
Folha - Por quê?
Arias - Karol Wojtyla era um supercomunicador, um ator, alguém que se dava muito bem com
a mídia. Que conversava com a
gente pegando no braço, falando
bem de perto. Ratzinger é o contrário. É tímido, um homem fino
e muito delicado ao falar, embora
às vezes um tanto irônico. Não
gosta da mídia. É um príncipe,
uma personalidade pouco gestual. É duro em suas posições. Eu
fiz 60 viagens com João Paulo 2º
no mesmo avião. Ele mudava às
vezes. Numa oportunidade, me
disse que era necessário ver as coisas positivas que havia no comunismo que tinha acabado, que
não era bom que o mundo, pós-comunismo, ficasse com apenas
um pólo de poder, os Estados
Unidos. Ratzinger nunca vai fazer
uma concessão desse tipo. Ele é
completamente ortodoxo.
Folha - A sua aposta, então, é em
uma igreja mais fechada?
Arias - É isso mesmo. Uma igreja
de volta à espiritualidade, de volta
às tradições. Ratzinger acha que a
igreja fez concessões demais à
modernidade e que a mensagem
de Cristo não tem nada a ver com
isso. Ele deve voltar à teologia de
São Paulo, a teologia da cruz.
Folha - Como é essa teologia?
Arias - A igreja sempre oscilou
entre dois pólos. Um é a teologia
da cruz, a teologia da dor, do Cristo crucificado, que é o que dizia
São Paulo. É a teologia que acaba
na Sexta-Feira da Paixão. O importante é o sofrimento como caminho da salvação, é o exemplo
que Jesus nos deu para salvar o
mundo do pecado. O outro é a
teologia da ressurreição, que fala
de libertação, de felicidade, de
Deus como pai, não como juiz.
Ratzinger segue o primeiro.
Folha - Os acenos de João Paulo
2º ao ecumenismo devem ficar para trás?
Arias - Ratzinger tem convicção
de que a única salvação está na
igreja católica. Ele vai tentar dialogar com as religiões judaica, islâmica e outras, mas em um patamar diverso. Porque ele parte do
pressuposto de que a verdade está
com a igreja católica, e as outras
religiões terão de chegar até ela.
Diálogo, tudo bem, mas a verdade
está com a igreja de Cristo.
Folha - A igreja crescerá sob o
pontificado de Ratzinger?
Arias - Os cardeais votaram em
Ratzinger por enxergar um paradoxo na atuação do papa anterior:
ele encheu as praças do mundo,
mas as igrejas seguem vazias.
Considero que, sobretudo os europeus, votaram em Ratzinger pela insistência dele em apontar que
a Europa está perdendo as raízes
cristãs, voltando ao paganismo,
ao agnosticismo. Ratzinger acha
que tudo isso está ocorrendo porque a igreja tornou-se muito relativista.
Folha - Em termos práticos, o que
isso significa?
Arias - Nos últimos dias, falou-se
muito que João Paulo 2º não conseguiu resolver os problemas da
bioética, da moral, da centralização da igreja, da mulher. Pois
bem, Ratzinger é contra todas as
formas de flexibilização da doutrina para comportar essa nova
agenda. Não se pode esquecer que
ele, pessoalmente, condenou algo
como 200 teólogos. O silêncio imposto a esses teólogos significou
calar a parte mais criativa da igreja. Seria o mesmo que um Estado
de repente calar 200 pesquisadores científicos.
Folha - Ele sempre foi assim?
Arias - Eu conheci Ratzinger
quando ele foi, com o teólogo
[suíço] Hans Küng, ao Concílio
Vaticano 2º [1962-65]. Lembre-se
que João 23 disse que era necessário abrir as janelas do Vaticano
para que entrasse ar novo. Na
questão da sexualidade, por
exemplo, o Concílio abriu a primeira porta para uma compreensão mais ampla da sexualidade.
Em vez de simplesmente voltado
à procriação, como quer a ortodoxia, o sexo poderia, segundo o
Concílio, ser entendido como
uma forma de diálogo entre os seres humanos. Em relação ao ateísmo, o Concílio assumiu que parte
da culpa pelo crescimento do
ateísmo era da própria igreja que
se fechara ao mundo do trabalho,
dos pobres. Ratzinger compareceu como conselheiro da representação alemã. Era um progressista, um grande progressista. Só
que, depois, ele mudou. Disse que
o Concílio tinha sido um erro, virou bispo, virou cardeal e, por
fim, tornou-se o grande vigilante
da ortodoxia católica. Quando
Ratzinger condenou a Teologia
da Libertação, o próprio papa
João Paulo 2º consolou os religiosos brasileiros dizendo que Ratzinger era severo demais, mas que
ele, João Paulo, os ajudaria. O papa era mais aberto.
Folha - Falou-se muito sobre a influência da Opus Dei no conclave...
Arias - Eu acho que Ratzinger
não tem nada a ver com a Opus
Dei. Não tem nada a ver com ninguém. Ele é muito independente.
É verdade que movimentos como
"Comunhão e Libertação", carismáticos, pentecostais, movimentos mais espiritualistas, podem ter
apoiado Ratzinger. Mas a Opus
Dei teria preferido o cardeal Angelo Sodano e muitos outros a
Ratzinger. A Opus Dei é um movimento mais político e Ratzinger
não é político. Ele é um inquisidor, não é um político.
Folha - Como foi possível a tão rápida eleição de Ratzinger?
Arias - Analistas italianos que leram o discurso de Ratzinger na
missa que antecedeu a primeira
votação do conclave interpretaram-no como a fala de alguém
que não quer ser eleito, até porque
pedia que os cardeais elegessem
um papa pastor, o que ele nunca
foi. Parecia que o próprio Ratzinger excluía-se da candidatura.
Pois bem, foi eleito um papa burocrata da Cúria Romana, o que
não acontecia desde Pio 12. E um
linha-dura. Como isso foi acontecer? É um mistério.
Folha - Como ficarão os temas sociais na agenda da igreja?
Arias - Ratzinger nunca se preocupou com a questão social. Ele só
tem olhos para a fé.
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