São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O NOVO PAPA

OPINIÃO

Igreja vira-se para dentro, diz escritor

Um dos principais conhecedores da intimidade do Vaticano, o espanhol Juan Arias diz que Bento 16 é o oposto de João Paulo 2º

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor e jornalista espanhol Juan Arias acompanhou João Paulo 2º em suas andanças por 60 países. Por ter convivido com a corte romana [muitas viagens feitas no mesmo avião que a comitiva do papa], Arias tem uma visão bem concreta do que aguarda o rebanho católico durante o reinado de Bento 16.
"Karol Wojtyla era um supercomunicador de massas, era um ator, era alguém que se dava muito bem com a mídia. Ratzinger é o contrário. É um tímido. Não gosta da mídia. É um príncipe, uma personalidade pouco gestual."
Por telefone, Arias falou à Folha do Rio de Janeiro, onde mora há sete anos. "O Brasil antecipa o futuro positivo do mundo, do diálogo das raças, das religiões. Infelizmente, o novo papa está muito longe disso", diz ele.

 

Folha - O que se pode esperar do próximo papa?
Juan Arias -
Ratzinger fará uma igreja muito mais voltada para si mesma, uma igreja mais severa, sem concessões ao mundo moderno. Será um pontificado em defesa da fé, da tradição. Embora vá canonizar João Paulo 2º, não poderia haver ninguém mais diferente do papa anterior do que Ratzinger.

Folha - Por quê?
Arias -
Karol Wojtyla era um supercomunicador, um ator, alguém que se dava muito bem com a mídia. Que conversava com a gente pegando no braço, falando bem de perto. Ratzinger é o contrário. É tímido, um homem fino e muito delicado ao falar, embora às vezes um tanto irônico. Não gosta da mídia. É um príncipe, uma personalidade pouco gestual. É duro em suas posições. Eu fiz 60 viagens com João Paulo 2º no mesmo avião. Ele mudava às vezes. Numa oportunidade, me disse que era necessário ver as coisas positivas que havia no comunismo que tinha acabado, que não era bom que o mundo, pós-comunismo, ficasse com apenas um pólo de poder, os Estados Unidos. Ratzinger nunca vai fazer uma concessão desse tipo. Ele é completamente ortodoxo.

Folha - A sua aposta, então, é em uma igreja mais fechada?
Arias -
É isso mesmo. Uma igreja de volta à espiritualidade, de volta às tradições. Ratzinger acha que a igreja fez concessões demais à modernidade e que a mensagem de Cristo não tem nada a ver com isso. Ele deve voltar à teologia de São Paulo, a teologia da cruz.

Folha - Como é essa teologia?
Arias -
A igreja sempre oscilou entre dois pólos. Um é a teologia da cruz, a teologia da dor, do Cristo crucificado, que é o que dizia São Paulo. É a teologia que acaba na Sexta-Feira da Paixão. O importante é o sofrimento como caminho da salvação, é o exemplo que Jesus nos deu para salvar o mundo do pecado. O outro é a teologia da ressurreição, que fala de libertação, de felicidade, de Deus como pai, não como juiz. Ratzinger segue o primeiro.

Folha - Os acenos de João Paulo 2º ao ecumenismo devem ficar para trás?
Arias -
Ratzinger tem convicção de que a única salvação está na igreja católica. Ele vai tentar dialogar com as religiões judaica, islâmica e outras, mas em um patamar diverso. Porque ele parte do pressuposto de que a verdade está com a igreja católica, e as outras religiões terão de chegar até ela. Diálogo, tudo bem, mas a verdade está com a igreja de Cristo.

Folha - A igreja crescerá sob o pontificado de Ratzinger?
Arias -
Os cardeais votaram em Ratzinger por enxergar um paradoxo na atuação do papa anterior: ele encheu as praças do mundo, mas as igrejas seguem vazias. Considero que, sobretudo os europeus, votaram em Ratzinger pela insistência dele em apontar que a Europa está perdendo as raízes cristãs, voltando ao paganismo, ao agnosticismo. Ratzinger acha que tudo isso está ocorrendo porque a igreja tornou-se muito relativista.

Folha - Em termos práticos, o que isso significa?
Arias -
Nos últimos dias, falou-se muito que João Paulo 2º não conseguiu resolver os problemas da bioética, da moral, da centralização da igreja, da mulher. Pois bem, Ratzinger é contra todas as formas de flexibilização da doutrina para comportar essa nova agenda. Não se pode esquecer que ele, pessoalmente, condenou algo como 200 teólogos. O silêncio imposto a esses teólogos significou calar a parte mais criativa da igreja. Seria o mesmo que um Estado de repente calar 200 pesquisadores científicos.

Folha - Ele sempre foi assim?
Arias -
Eu conheci Ratzinger quando ele foi, com o teólogo [suíço] Hans Küng, ao Concílio Vaticano 2º [1962-65]. Lembre-se que João 23 disse que era necessário abrir as janelas do Vaticano para que entrasse ar novo. Na questão da sexualidade, por exemplo, o Concílio abriu a primeira porta para uma compreensão mais ampla da sexualidade. Em vez de simplesmente voltado à procriação, como quer a ortodoxia, o sexo poderia, segundo o Concílio, ser entendido como uma forma de diálogo entre os seres humanos. Em relação ao ateísmo, o Concílio assumiu que parte da culpa pelo crescimento do ateísmo era da própria igreja que se fechara ao mundo do trabalho, dos pobres. Ratzinger compareceu como conselheiro da representação alemã. Era um progressista, um grande progressista. Só que, depois, ele mudou. Disse que o Concílio tinha sido um erro, virou bispo, virou cardeal e, por fim, tornou-se o grande vigilante da ortodoxia católica. Quando Ratzinger condenou a Teologia da Libertação, o próprio papa João Paulo 2º consolou os religiosos brasileiros dizendo que Ratzinger era severo demais, mas que ele, João Paulo, os ajudaria. O papa era mais aberto.

Folha - Falou-se muito sobre a influência da Opus Dei no conclave...
Arias -
Eu acho que Ratzinger não tem nada a ver com a Opus Dei. Não tem nada a ver com ninguém. Ele é muito independente. É verdade que movimentos como "Comunhão e Libertação", carismáticos, pentecostais, movimentos mais espiritualistas, podem ter apoiado Ratzinger. Mas a Opus Dei teria preferido o cardeal Angelo Sodano e muitos outros a Ratzinger. A Opus Dei é um movimento mais político e Ratzinger não é político. Ele é um inquisidor, não é um político.

Folha - Como foi possível a tão rápida eleição de Ratzinger?
Arias -
Analistas italianos que leram o discurso de Ratzinger na missa que antecedeu a primeira votação do conclave interpretaram-no como a fala de alguém que não quer ser eleito, até porque pedia que os cardeais elegessem um papa pastor, o que ele nunca foi. Parecia que o próprio Ratzinger excluía-se da candidatura. Pois bem, foi eleito um papa burocrata da Cúria Romana, o que não acontecia desde Pio 12. E um linha-dura. Como isso foi acontecer? É um mistério.

Folha - Como ficarão os temas sociais na agenda da igreja?
Arias -
Ratzinger nunca se preocupou com a questão social. Ele só tem olhos para a fé.


Texto Anterior: Bento 16 não dialogará com as "demandas modernas"
Próximo Texto: Para teólogo, "pesou mais o temor do que a ousadia"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.